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A cara do Rio


2 - Crianças a caminho da escola, de olhos vendados, transportadas por adultos tão assustados quanto elas, pulando corpos ensanguentados nas vielas da Rocinha, são também, hoje, a cara do Rio. Ou, pelo menos, do Rio que autoridades omissas fazem refletir no nosso espelho diário.

3 - Fotografei o tipo saindo do Metrô no Largo do Machado. Jornal debaixo do braço, dobrado no Caderno de Esportes, bigodinho aparado à la personagem do Dalton Trevisan, olhando pros lados como se estivesse procurando vítimas. Encostou na mocinha que esperava no ponto final do 569 e disparou:
     – Conheço você não sei de onde.
     A resposta da moça foi nota dez:
     – Melhor mesmo nem saber.
                                     
4 - Foi ali num ponto de ônibus do Humaitá, onde espero o buzum diariamente. Sujeito misto de mendigo e guardador de carro, conhecidíssimo dos moradores do bairro, se aproximou de um engravatado e pediu um dinheirinho:
     – O senhor não tem vergonha? Um homem tão jovem, tão forte, tão disposto... por que não vai arranjar um emprego? – berrou o sujeito.
     E o mendigo, tranquilão:
     – Peraí, meu amigo. Estou pedindo esmolas, e não conselho.

5 - Amiga minha, dentista com consultório no Flamengo, é uma tremenda gozadora. Dia desses recebeu um sujeito que queria porque queria arrancar um dente. Perguntou o preço.
    – Trezentas pratas – ela respondeu.
     O paciente chiou:
    – O que é isso, doutora? A senhora não leva nem dez minutos para arrancar um dente.
     E a gozadora, alisando o boticão:
     – Se o senhor fizer questão, posso arrancá-lo bem devagarinho.

6 - Alfredinho, dono do Bip-Bip, templo da música brasileira e do alto astral em Copacabana, é conhecido pelo mau humor e pela tolerância quase zero. Dia desses estava lá tomando o seu vinho, meio de saco cheio das aporrinhações, quando chegou um freguês que tem fama de chato.
     – Tá doente, Alfredo? – foi logo perguntando.
    – Claro que não! Por quê?
    – Porque vi você saindo da farmácia.
    E o Alfredinho, de trivela:
    – Ah, é? Se eu estivesse saindo do cemitério estaria morto?