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A chinfra de um poeta


Mineiro, Moyseis tem, no entanto, a voz de quem nasceu na Lapa carioca e lá descuidou de tudo o que era apenas pompa. Mas ele (con)viveu na Vila da Penha, para onde veio ainda menino, e percorreu as calçadas suburbanas do Rio, onde moldou sua identidade e traçou seu destino: ser um fazedor de música.Ficou-lhe o gosto popular. Valeu-lhe a alegria das esquinas, as dores sentidas e os amores mal resolvidos. Deles fez poesia, com eles a vida ganhou sabor insuspeitado.Sua voz é de sambista; sua malemolência malandra é de quem arrasta a sandália para ir beber uma cerveja no pé-sujo da esquina. Suas divisões de samba, chorinho ou ijexá revelam um grande cantor, pronto para fazer valer seu dom de bem cantar. E ele não se faz de difícil. Sua cantoria flui mansamente como quem não quer nada, sempre querendo tudo: o sabor carioca impregnado de mineiridade.Diferentemente do seu álbum anterior, quando gravou Chico Buarque, Luiz Carlos da Vila, Sombra e Sombrinha, Roque Ferreira e Toninho Geraes, Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho, Evandro Lima e Marquinhos China, neste novo álbum Moyseis gravou só composições suas: três só dele e nove com parceiros, inclusive alguns dos presentes no outro CD, como Edu Krieger e Zé Paulo Becker.A energia do canto, somada a um repertório coeso, fazem de Pra desengomar um disco a ser ouvido com carinho, pois ele é o trabalho de fôlego de um sujeito nascido para brilhar no ofício musical.Apoiado por bons arranjos, pelas participações especiais de Áurea Martins, Leila Pinheiro, Ana Costa e Moacyr Luz, e por um grupo de competentes instrumentistas, Moyseis Marques se esmera: “Pra Desengomar” (dele e Alfredo e Alfredo Del-Penho), quando a guitarra (Claudio Jorge) se destaca; “Bicho do Mato” (dele e Edu Krieger), que tem refrão contagiante e Leila Pinheiro cantando bem; “O Lado Bom da Incerteza” (dele e Zé Renato), onde quem brilha é o sax soprano de Samuel de Oliveira; “Xodó de Lamparina” (dele e Zé Paulo Becker), cujo resfolego do acordeom de Bebê Kramer é animadíssimo; “Como o Cravo Quer a Rosa” (dele), choro cuja voz de Áurea Martins faz arrepiar os pelos e em que o bordão do sete cordas de Henrique Martins emoldura bons versos: Minha voz/ Sempre foi assim desse jeito/ Comovida, colorida, atrevida/ Não sei se isso é bom/ Simplesmente é assim. Por fim, ele canta “Não Deu” (dele); o coro come na animação, o acordeom e o ritmo balançam. Na sequência, pra fechar a tampa, recita um poema desabafo confessional. Tirei deste um verso e fiz-lhe título deste comentário. Na singeleza de suas imagens, as palavras demonstram a profundidade com a qual se impõe a alma de Moyseis Marques.Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4 PS. Depois de longa luta pela vida, Antonio José Waghabi Filho, o Magro do MPB4, nos deixou. Com ele vai junto uma parte considerável do vocal brasileiro. Com ele vai junto a minha música.