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A dama negra da música


Nobremente, tudo o que essa negra linda canta tem sabor definitivo. Tudo se transforma em confiança quando saído de sua garganta. Notas límpidas, agudas ou graves são sinais divinos de um dom concedido a ela.

No DVD, mais uma vez Áurea teve a seu lado Hermínio Bello de Carvalho. Timoneiro de olhar agudo, ele tem o faro aguçado por suas paixões. Áurea Martins é uma delas. A ela, o poeta dedica amor irrestrito, ela corresponde com sua áurica voz.

Com a clarividência dos craques, Hermínio buscou um grupo coeso de músicos, distribuiu-os num pequeno palco sem nenhum adorno, vestiu-os com sobriedade, iluminou-os com requinte... Estava pronta a cena onde Áurea se transformaria na grande dama da música brasileira.

Sabedora do poder de sua voz, ela faz do canto uma fonte propagadora de esperança. Saborear seu cantar hipnótico é revigorar sonhos, é ver belezas onde poucos veem.

Com algumas músicas já interpretadas por Áurea em Depontacabeça, seu CD anterior, também produzido por Hermínio, o repertório do DVD está dividido em duas partes. Na primeira estão dez belas letras de HBC musicadas por sete de seus parceiros; na segunda estão oito músicas de treze outros compositores.

A iluminação ascende cada uma das músicas. Com criativos arranjos de Lucas Porto, delicadezas categóricas estão presentes nos solos, improvisos, dinâmicas, divisões rítmicas e em cada desenho em uníssono e duos instrumentais. A mixagem é detalhista, nenhum som escapa à audição. O roteiro musical cria um ritmo que vai num crescendo arrebatador.

“Via Crucis” (Vidal Assis, Lucas Porto e Hermínio Bello de Carvalho) começa com o sax de Denize Rodrigues. Logo surgem Vidal Assis e seu violão. O ritmo (Paulino Dias) e o cavaco (Luis Barcelos) crescem com o canto de Áurea. É o fim da primeira parte

Corte brusco. No palco surge o Terra Trio. A imagem agora é em preto e branco. Há mudanças no posicionamento das câmeras e no enquadramento das imagens. Closes mostram Áurea e seu rosto sofrido. Ela quase não sorri. A música lhe basta. Com o Terra ela canta um pot-pourri de quatro músicas. Um dos grandes momentos de um ótimo DVD.

Num momento intenso, Áurea canta “Pela Rua” (J. Ribamar e Dolores Duran) à capella. Linda.

“Bala com Bala” (João Bosco e Aldir Blanc) tem um arranjo no qual Áurea e a bateria ficam cara a cara. Como num rap, ela recita os versos, brincando de contrapontear com a bateria. Arrebatadora.

Para cantar “Maninha”, Áurea Martins recebe Chico Buarque num estúdio. Emocionada, a dupla canta e enternece. Chico abre uma segunda voz, enquanto Áurea derrama seu dilacerado canto na terra que se abre em fundo poço, onde o sofrimento contrai o ar da música que o redimirá. Os dois entrelaçam as mãos; Chico as beija; abraçam-se. Afagam-se. Fim.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

PS. Carmélia Alves deixa um vazio abissal. Saudades.