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A delicadeza da Rosa


Romance (Telarc) teve como inspiração a música que vem de almas dilaceradas por amores frustrados, tristezas infinitas... O repertório é a essência do gênero que se tem como hábito reduzir à “música de fossa”. Pois Rosa e mais os sete instrumentistas, que com ela se esmeraram na produção do álbum, se encarregam de desmistificar tal rótulo. Elevando ao nível mais alto a qualidade musical das canções interpretadas pelos oito, salta aos olhos uma nova possibilidade: nas músicas tristes é que se revelam as mais belas sonoridades carentes de serem ainda melhor apreciadas.E é justamente esta possibilidade que se abre na audição de Romance. Rosa Passos está cantando melhor do que nunca – ainda que nos prive de seu violão requintado, presente em Rosa, seu trabalho anterior. Sua voz intensa, sem esforço aparente, lhe sai da garganta amparada pelo sopro de ar que a protege e dá roupagem aveludada à sua afinação que não tem medo das notas graves nem das agudas. Rosa é seguramente uma das melhores cantoras brasileiras de todos os tempos. Com traços de sua baianidade estampados no rosto, miúda, mas com uma força descomunal, ela é a delicadeza cantada. Com a brasilidade impregnando sua arte, ela é a música que vem absoluta e se retoca em mil notas que através de sua voz soam como se fossem inéditas, mesmo se são as clássicas “Doce Presença” (Ivan Lins e Vitor Martins); “Nem Eu (Dorival Caymmi); “Eu Sei Que Vou Te Amar” (Tom e Vinícius); “Álibe” (Djavan); “Preciso Aprender a Ser Só” (Marcos e Paulo Sérgio Valle); “Atrás da Porta” (Francis Hime e Chico Buarque); “Tatuagem” (Chico Buarque e Ruy Guerra); “Por Causa de Você” (Tom Jobim e Adilea da Rocha Macedo); “Altos e Baixos” (Sueli Costa e Aldir Blanc); “Cadê Você” (João Donato e Chico Buarque); “Neste Mesmo Lugar” (Armando Cavacanti e Klecius Caldas); “Nossos Momentos” (Luis Reis e Haroldo Barbosa). Os músicos que as dividem com Rosa são pura alma e técnica. Todos em perfeita sintonia para tocar canções emocionadas em suas dores explicitamente belas. Celso toca bateria valendo-se de vassourinhas admiravelmente eficientes para o resultado de cada arranjo. Sua levada discreta e solidária é uma aula de como se pode ser virtuoso e, ao mesmo tempo, acompanhante de igual valor. Fábio toca piano como quem sabe da responsabilidade que tem a harmonia de seu instrumento na execução de cada um dos belos arranjos que ele ajudou a criar. Lula Galvão é virtuoso em sua guitarra, disso não temos dúvida, mas o que ele faz aqui supera o muito que dele sempre se espera. O contrabaixo de Paulo, cujo som magicamente se parece com o de uma guitarra – lembrando o do guitarrista americano Barney Kessel (1923/2004) –, ora toca como integrante do arranjo, ora como solista, como na belíssima interpretação de “Nossos Momentos”. Os três dos sopros, Daniel, Vinícius e Nahor, brilham nos jazzísticos arranjos escritos para dar a cada um de seus instrumentos a possibilidade de tirar deles o máximo. Rosa Passos... Bem, Rosa é a força da música em estado de graça. Voz límpida, quente e ferida quando ela assim o deseja, de suas cordas vocais desprende-se algo que se assemelha a um instrumento ainda não inventado, cujo som vem de entranhas abertas à luz e à beleza de seu jeito quase despretensioso de viver no mundo da música, mas que, na verdade, de simples só tem as sete notas musicais. Tal naturalidade é como um mistério que não percebemos em toda a plenitude. Entretanto, tal mistério, cuja tradução é Romance, está aqui ao nosso alcance e tem nome e sobrenome: Rosa Maria Faria Passos.   Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4