Loading...

A mãe-do-ouro do samba


Cristina Buarque é a mãe-do-ouro (ente fantástico que, reza a superstição popular, guarda as minas de ouro) do samba, sempre disponível para gabar os dotes do samba e dos sambistas que o criam. Mãe nem sempre afeita a dar atenção desmesurada a seus rebentos, posto que sua vida para ela merece igual valor e cuidado. Mas, quando percebe que algum de seus filhos carece de zelo e mimo, lá está ela de prontidão, a alma na palma da mão, o coração na ponta do prato raspado a faca.Uma homenagem a Alvaiade, bamba portelense, estava sendo armada pelo grupo paulistano Grêmio Recreativo Tradição e Pesquisa Morro das Pedras. E foi assim, movida por esse instinto maternal, que Cristina se dispôs a pegar um avião e rumar para São Paulo. Os meninos, todos amadores, tinham por hábito cantar sambas de terreiro pouco conhecidos de grandes compositores que a imensa maioria dos brasileiros desconhece. Cristina voltou maravilhada. Afinal, ouviu sambas que nunca ouvira, feitos por gente de quem imaginava conhecer toda a produção. Tratou então de espalhar a novidade que presenciara em uma roda de samba movida a paixão e cerveja. Conhecedora como poucos dos segredos desses encontros, fossem eles na ilha de Paquetá e, agora, no Tatuapé, Cristina teve a certeza de que o samba mandava novamente lhe chamar.E lá foi ela para uma temporada de shows no Teatro Fecap, em São Paulo. E, claro, levou com ela os meninos que descobrira serem capazes de rodar sambas por mais de oito horas, sem repeti-los. Entretanto, o Grêmio Recreativo mudara de nome, agora era Terreiro Grande. Quinze amadores em busca do prazer de cantar e tocar sambas pouco conhecidos e nisso ter um enorme prazer. O resultado deste encontro acaba de sair em um CD, Cristina Buarque Terreiro Grande – Ao vivo (independente). Dividido em quatro grandes blocos de sambas, movidos a emoção, o coro come. Cristina se reveza nos vocais com Tuco e Lelo, e também com todo o grupo. Das 37 músicas selecionadas, ao menos 16 são obras-primas.O primeiro bloco, de sambas cadenciados, abre com “O Meu Nome Já Caiu no Esquecimento”, de Paulo da Portela, levado só no pandeiro que dá impulso à voz de Cristina. Segue-se “Eu não Sou do Morro”, de Francisco Santana, quando entra o pandeiro que leva o samba até entregar a levada ao ritmo inteiro. E o bloco se encerra com Manacéa e seu antológico “Quantas Lágrimas”, dos poucos sambas conhecidos do disco.O segundo tem “O Mundo É Assim”, samba de versos inspirados escritos por Alvaiade: “O dia se renova todo dia/ E eu envelheço cada dia e cada mês/ O mundo passa por mim todos os dias/ Enquanto eu passo pelo mundo uma vez”. E vem um dos maiores sambas de todos os tempos, cantado por Tuco, “Jura”, de Zé da Zilda. O terceiro começa com belos sambas lentos: “Inspiração” (Candeia), numa emocionada interpretação de Cristina, “Banco de Réu” (Alvaiade e Djalma Mafra), “Você Chorou” (Brancura), e fecha com “Sentimento”, belo samba de Mijinha, sucesso na voz de Paulinho da Viola.O último bloco, composto por sambas um pouco mais acelerados, acaba com três de autoria do “professor” Paulo da Portela – não à toa ele abre e fecha o CD –, que são “Teste ao Samba”, “Tu me Desprezas” e “Cantar Pra Não Chorar”.    No irrepreensível CD Cristina Buarque e Terreiro Grande – Ao vivo, os sambas se entremeiam, enredam-se. Amadrinhados por Cristina Buarque, reverenciados pelo Terreiro Grande, nele o centro é o sambista quase sempre anônimo, sempre querido por seus pares, mas adorado apenas por quem tem o privilégio de ter acesso a seu trabalho. Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4 e autor de O Gogó de Aquiles, ed. A Girafa. Seus textos são publicados semanalmente no Acontece na  no Diário do Comércio (ACSP), Meio Norte (Teresina), A Gazeta (Cuiabá), Jornal da Cidade (Poços de Caldas) e Brazilian Voice (EUA). No rádio, sempre às segundas-feiras, das 15h às 16h, "O Gogo de Aquiles" vai muito bem, obrigado. Você poderá escutá-lo (no Rio de Janeiro) sintonizando diretamente na Rádio Roquete Pinto, ou (fora do Rio) na internet: www.fm94.rj.gov.br .