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A percussão do Duo Contexto


De tudo o que as mãos possam tocar, nasce a música da dupla. Música plena de erudição, mas com os pés no chão pop. Com seu novo álbum (selo SESC-SP), Ricardo e Eduardo revelam ser manifestos criadores de um som em que sobressaem timbres e sonoridades nascidos de marimbas e de vibrafones; de tambores japoneses e de tamborins; de atabaques, chocalhos, ganzás e surdos; de gongos tailandeses e de sinos de templos budistas; de panelas, frigideiras, barril de petróleo, baldes e latas. No CD, a música fascina por redefinir possibilidades, por reinventar linguagens. Ao prescindir da melodia – ao menos da melodia segundo critérios musicais corriqueiros – o que o Duo Contexto faz é nos espicaçar, nos jogar num precipício desconhecido, ameaçador. Tudo o que lá se ouve flui como um futuro próximo, ainda não presente. Assim, para se apossar da música de Eduardo e Ricardo, há que se dar ao perigo. “Estudo II – A Falsa Rumba” (Eduardo Guimarães Álvares) tem vibrafone e marimba misturados com resultado surpreendente e estimulante. A dinâmica de piano/forte, pianíssimo/fortíssimo, destaque nesta faixa, tanto como em todas as outras, revela intensa pressão sobre o ouvinte, tornando-o cúmplice de um jeito especial de criar insólitas passagens musicais. Em “O Galo do Airan” (Hermeto Pascoal), à marimba e ao vibrafone o duo agrega a voz, assim como em “Reino do Sol Central”, quarto movimento de “Letha” (Roberto Victorio), no qual se ouve um verso sussurrado. Usado como percussão, o som vocal se faz de elemento rítmico e atenua a música feita de alucinados sobressaltos. E tome bater de latas e bombos, e tome sequências de rústica beleza.Em “Promenade” (Fernando Iazzeta), o som vem de madeiras de todos os tipos e tamanhos, que, somados às sonoridades sempre presentes da marimba e do vibrafone, dão vez a sinos que convidam à uma reflexão tão profana quanto multirreligiosa. Pratos de bateria se revezam e alteram a levada percussiva. À direita e à esquerda, ruídos musicais se espalham pelas caixas de som. A dinâmica prossegue admirável. Surgida como se do nada, a marimba serena os estranhamentos. O ritmo é de total desapego às divisões convencionais. Tudo ali é extraordinário, grandiosamente belo – como que saído dos dedos ágeis de um cego inquieto que tateia enquanto vê o som. E assim incita o Duo Contexto: criando encantos para serem vistos e escutados sem medo, mesmo com a tamanha variedade de sons nascidos de forma tão inesperada, tão misteriosa, e imprimindo novo linguajar à música popular através da percussão de concepção erudita. Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4