A voz da natureza
Tetê tem a voz mais fantasticamente aguda da música popular brasileira. Sua garganta dá voz à natureza que suplica clemência, antes de revidar com sua força esmagadora tamanha degradação. Voz de pássaro a entoar pios e cantos enternecidos que poucos ouvem. Voz de vento que leva as galhas de um lado para o outro, a seu próprio gosto e prazer. Voz de chuva boa a lavar a terra, emprenhando-a com a semente da vida. Voz de orvalho que molha corpos que se deitam e se deixam encharcar, que se banham de suores do amor. Tetê tem a voz teatral de uma cantora que tomou para si o papel de louca a dizer uns troços meio doidos, quando poucos, ou ninguém, sequer ousava pensar, muito menos falar deles – meio ambiente, ecologia, aquecimento global...A craviola dedilha poucas notas, logo vem a voz cortante e afinada de Tetê. As notas do instrumento se mesclam àquelas que vêm do fundo da alma mato-grossense-do-sul da cantora, cuja voz é incansável. E a percussão chega espalhando sons que dão ritmo às frases poéticas de “Ópera da Natureza” (Tetê e Arnaldo Black). Aplausos.São graves os sons emitidos pela percussão e pelo contrabaixo. Com um desenho marcante, eles dão início à belíssima “Toada da Natureza” (Tetê e Jerry Espíndola). A craviola vem pelas mãos de Tetê que revela a bela poesia de seu irmão caçula.Craviola e acordeom se juntam para ela começar a cantar “Sertão” (dela e Arrigo Barnabé). Os dois instrumentos se olham num diálogo cheio de inspiração, e vem a percussão. “Lua cheia de luz inflama a alma (...)”, canta agudamente Tetê, a cantora de voz de beija-flor quando pára no ar. E seu vibrato impressiona, tão suave, tão doce. Aplausos. Começa “Morena Amiga” (Tetê e Alzira E). Aplausos. Em “Centro Vazio” (Tetê), o acordeom e a percussão fazem a cama na qual se deita a cantora de voz mágica. Canção epicamente nordestina.E chega a hora de Tetê cantar “Evaporar”, dela e Marta Catunda. Acordes bem armados se repetem. A craviola os dedilha. Cada sílaba melódica carrega em si o ritmo que brota da cachoeira criativa que desce desde a cabeça de Tetê até seus pés descalços que deixam marcas delicadas em suas terras, sejam elas floridas ou esturricadas. “Evaporar” termina com sussurrados “ar, ar, ar...”. Uma súplica. Aplausos.E Tetê convida a platéia a acompanhá-la no entoar do canto de pássaros pantaneiros. Bandos de quero-quero e araraúna voam entre os refletores do teatro, enquanto cantam sob a inspiração da mulher que sabe ler o que sentem os bichos das matas que circundam sua cidade. Aplausos.Chega a vez de “Semente de Som” (Tetê e Chico César): “Somente teu som/ Pássaro raro, rare, rare”. O público responde “rare, rare” – hare krishnas sem batas coloridas, nem sininhos nas mãos, mas alegres como eles. Aplausos. Começa “Voz” (Tetê e Arnaldo Black).“Prata no Mar” (Tetê e Alzira E) é a música que mais dá ares de inovação ao discurso consciente de Tetê. O poema musical de Alzira, pelas mãos de música que tem Tetê, ganha ares de “tango” espanholado. Doce mistura. O show caminha para o final: “Amor de Graça” e “Ôm Pela Paz”, ambas de Tetê e Humberto Espíndola. Aplausos. E va por AR é um disco que se traduz pelos títulos de suas canções: fim da “Ópera da Natureza” sempre parceira; “Toada da Saudade” do “Sertão” que traz na garganta. “A Morena Amiga” preenche o “Centro Vazio”. “Evaporar” por aí afora, ouvindo “Pássaros” cantando, lançando “Sementes de Som” no solo embrutecido, dando-lhe vida e “Voz”. Bateando minas de “Prata no Mar”. Peneirando “Amor de Graça” num mantra maior, “Ôm Pela Paz”.Tempo de Tetê criar novas canções.Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4 e autor de O Gogó de Aquiles, ed. A Girafa. Seus textos são publicados semanalmente no Acontece na no Diário do Comércio (ACSP), Meio Norte (Teresina), A Gazeta (Cuiabá), Jornal da Cidade (Poços de Caldas) e Brazilian Voice (EUA). No rádio, sempre às segundas-feiras, das 15h às 16h, "O Gogo de Aquiles" vai muito bem, obrigado. Você poderá escutá-lo (no Rio de Janeiro) sintonizando diretamente na Rádio Roquete Pinto, ou (fora do Rio) na internet: www.fm94.rj.gov.br .
