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Adeus, Dorival, adeus


Por favor, não se esqueça de mim; por favor, não se esqueça de quem aprendeu com você o valor da simplicidade, a importância da brasilidade posta a serviço da beleza, o valor da imagem transposta em melodias definitivamente simples.Adeus, Dorival. Vou rezar para ter bom tempo, meu nêgo, e para que o céu esteja esplendoroso à sua passagem triunfal rumo à mesa na qual lhe esperam Ari, Vinícius, Tom, Pixinguinha...Adeus, Dorival, adeus. Nuvem agora é rede. Nela você se deitará e sonhará, embora você não precise dormir para continuar a elevar sua grandiosidade até o topo das mais altas montanhas submersas no azul do mar da Bahia e do Rio de Janeiro.Dorival morreu em casa, em Copacabana. A sua Stella havia ido, em coma, para o hospital, ali Dorival morreu. Sem ela a vida era sem serventia, cantou ele para dentro. O amor se foi com a esposa e levou a chama da vida de um homem que viveu da intensidade de doces momentos. Danilo e Nana viam o pai esgarçar o fio de vida que lhe restava, Dori não pôde estar ao lado do pai - ele não merecia estar ausente -, e sabiam e sentiam que do pai eram e serão prolongamento. Este desígnio emprenhou-lhes a música. Ela lhes dirá o que fazer agora.Mas será que Dorival precisava mesmo nos deixar? Em casos como esse, envolvendo um gênio de canções definitivas, seria bom prolongar a vida para sempre. Ora, em casos excepcionais como este, a inexorabilidade da morte deveria ser revista. Mas os deuses, que o Brasil aprendeu a amá-los com saudável sincretismo, levaram Dorival para seus abraços. É triste, mas contra a vontade deles não temos força que impeça a ordenação fatal.Nunca mais Dorival, nunca mais a sua preguiça... Mas que preguiça é essa que permitiu ao "preguiçoso" criar uma obra irretocável e definitiva? Nunca mais o pulsar do coração... Caymmi, cadê você? Bem que lhe disseram, não vá, não deixe de ser o nosso maioral. Dentro de uma nuvem feita de fiapos de rede entrelaçados a sargaços, balançando suave, entoe o cantar que fez o Brasil entender a nossa música. Ninguém jamais criou belezas como você, Dorival. Sou crente do amor que você cantou. Sou fiel aos versos feitos como se me pegassem pela mão e me conduzissem a um mundo que eu jamais alcançaria não fosse a sua música. Sou submisso à vida que sua morte sugere apagar. Mas isso é apenas aparência, nem a morte me tirará tudo isso. E o vento esfriará lágrimas, ondulará águas e toda manhã trará boas notícias daquela mesa posta no quintal da casa dos que chamaram para si o Dorival. Oh, poderosos deuses, eu poucas vezes tive saudade igual.Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4, ouve nas canções praieiras de Dorival Caymmi o que melhor se produziu na música brasileira até hoje.