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Aí criou-se o impasse


Ele disse pode ir e roía sem parar as unhas. Roía as unhas, alisava o cotovelo direito com os dedos da mão esquerda e repetia pode ir, pode ir, fazendo um movimento bem masculino com as mãos entre as pernas, também estou de saída porque vou ao Maracanã.

Ele repetiu mais uma vez pode ir e ela respondeu já ouvi, não sou surda, já estou indo, não precisa me empurrar.

Eu? Empurrando você? Como assim, empurrando, se você que chegou em casa com essa história de ir embora?, ele quis saber.

Ela afinou um pouco a voz, gemeu (o pior é o gemido) parece que quer me ver pelas costas, piscou os olhos e deu a impressão de que ia chorar – num jeito bem feminino de ser. O jeito bem masculino de ser dele foi gritar ai, meu saco, só faltava essa agora, na hora em que estou saindo para o futebol.

Aí, criou-se o impasse.

Ela já estava com a bolsa no ombro, mas resolveu colocar a bolsa no sofá. Tinha guardado cigarros e isqueiro, mas pegou tudo de volta na bolsa, acendeu o cigarro, soltou uma baforada e disse a verdade, Serginho, é que a gente não gosta mais um do outro.

E sentou no sofá, cruzando as pernas, com aquele jeito feminino de sentar cruzando as pernas (manjam, né?), sobretudo quando está de saias e quer insinuar mistérios.

Ele disse não acredito no que estou ouvindo, não me venha com essa história de a gente não gosta mais um do outro, fale por você e não por mim, olhando para as pernas dela com aquele jeito masculino de olhar para as pernas de uma mulher que cruza as pernas diante de um homem querendo insinuar mistérios.

Ele deu um soco na mesa e disse olha aqui, Clarice. Presta bem atenção, Clarice. Se você quer mesmo ir embora que vá de uma vez por todas. Vá agora, não pense duas vezes. Mas vá sabendo que não tem volta.

Se você atravessar aquela porta nunca mais a cruzará de volta, disse, com aquele tom masculino de aderir à tragédia.

Ela perguntou isso é uma ameaça?, naquele tom feminino entre o choro e chantagem (que acaba com qualquer um), enquanto abraçava a almofada e se estirava no sofá, de costas para ele, que tratou de fechar as cortinas da sala e repetir bem baixinho, como naquela velhíssima piada:

– Que futebol que nada...


     Enquanto apagava as luzes.