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Apenas navegando


Imprevisíveis, suas melodias não carecem de procurar cais para aportar. A elas basta navegar ao sabor das marés, deixando atônitos os novatos; a estes assusta o inesperado. Mas orgulhosos são os veteranos, a quem é dado o encanto de saber que nos ventos e nas ondas não se deve interferir, apenas aproar para o destino já traçado. E ir.Inesperadas, as harmonias de Dino, assim como suas melodias, são feitas de água manejada nas funduras, onde a escuridão se mistura à solidão para assim misturadas se tornarem mais densas. Sua música é delineada no navegar, não em porto seguro. Bússola não lhe faz a menor falta, pois para cruzar oceanos o velho navegante se guia tão somente pelas estrelas matutinas. E vai. Por estar abrandado o vigor da sua mocidade – que lhe dava forças para ser sempre intenso em seu ofício de criar e, principalmente, de interpretar suas músicas –, sua voz expõe certo cansaço. Mas continua sendo a marca registrada de quem viveu grande parte da vida para cantar as próprias canções com enorme dignidade. A malemolência com que tira do peito as notas musicais tem um quê de Agostinho dos Santos, e suas divisões soam ricas em atrativos que deságuam em suingue expresso em sambas, toadas e bossa nova.Theo de Barros, Natan Marques e Adilson Godoy foram os arranjadores escolhidos por Adriana Godoy. Como coordenadora executiva e produtora musical do álbum, ela incumbiu Theo de sete, Adilson de um e Natan de seis arranjos. O resultado é admirável. Seja com naipes de cordas e de sopros, seja com apenas um cello ou duas flautas, com uma cozinha impecável e muita criatividade, tudo soa para dar às canções de Galvão uma roupagem de alinhado requinte. Cai muito bem a participação especial de Adriana Godoy, que brilha cantando “Pedaço Pior” (Dino) e “Bolero Insano” (Dino e Adylson Godoy), e, com Dino, “Quando o Amor Chegar” (Dino e Sérgio Augusto), “Violão Gentil” (Dino e Eduardo Gudin) e “Até Quando?” (Dino e Theo de Barros). Ao acrescentar doçura, Anita Galvão Bueno arrasa cantando com o pai “A Chegada” (Dino e J. Petrolino), homenagem de Dino ao nascimento da filha. As duas juntas, Adriana e Anita, mandam bem nos vocalizes do instrumental “Tema do Sítio” (Dino). Suas vozes afinadas dão suavidade ao trabalho. E é bom escutar Dino e Elton Medeiros cantando juntos as suas “Amanhecer” e “Mea Culpa”.Dino é autor de quatro faixas; J. Petrolino e Elton Medeiros são seus parceiros em duas; Eric Nepomuceno, J. C. Costa Neto, Adylson Godoy, Theo de Barros, Sergio Augusto, Sérgio Lima e Gudin são seus “cúmplices” em uma canção cada um. Time que ajuda Dino Galvão Bueno a singrar mares sempre navegados, embora muitos ainda deles não saibam nem a espuma. O navegador está aí para quem ousar viajar a seu lado, sentindo seus relampejos de argonauta atemporal.Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4