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As tênues fronteiras da arte


O lirismo das letras de Dylan seria literatura? Segundo a Academia Sueca, a escolha do compositor deve-se à criação de “novas expressões poéticas dentro da grande tradição da música americana”.  Além da discussão sobre os limites entre música e poesia está a da abrangência literária, que pode ser vista em qualquer tipo de expressão artística, tese defendida por muitos especialistas. Quando um Nobel gera tanta controvérsia, ele não estaria resgatando o sentido maior da arte, rompendo setores e buscando a reflexão sobre as manifestações da alma humana?  

Por menos que pessoalmente se ergam as reservas quanto à premiação, todos os questionamentos que ela suscitou têm relevância maior do que o Nobel: o que é arte, quais são seus limites, o qual é o papel do artista e o quanto ele deve restringir sua atuação. A rotulação de quem discute é tão intrigante quanto a do objeto em discussão – a produção de um músico que reflete sobre a humanidade através da palavra.

A lista de espera do Nobel de Literatura mantém os americanos Phillip Roth e Joyce Carol Oates em boas posições, ao lado do japonês Haruki Murakami e do sírio Adonis, entre outros escritores “sérios”. Às vésperas do anúncio do Nobel, mergulhei no instigante universo onírico de Murakami em  Kafka à beira-mar (Alfaguara, R$  72,90), que insere o mito de Édipo na saga de um Holden Caufield contemporâneo, o jovem Kafka Tamura, que foge de casa e dos estudos em busca da mãe e da irmã.  O amor pela leitura protege o garoto do abandono e da sensação de asfixia pela vida ao lado de um pai distante. No entanto, todos os ambientes em que ele se abriga são claustrofóbicos, dos quais só escapa através de sonhos realistas, que indicam novos caminhos. Paralelamente, a jornada do velho deficiente mental Nakata, que conversa com gatos e conquista a todos que encontra,  é apresentada até juntar-se às respostas que Kafka procura.

A desconstrução da narrativa tradicional chegou à moda nos anos 1980/90, quando a inglesa Vivianne Westwood chamou a atenção por levar o que se vestia nas ruas às passarelas. A trajetória dessa vanguardista associada ao movimento punk é contada em Vivianne Westwood (Rocco, R$ 69,50), uma autobiografia montada sobre longos depoimentos ao jornalista Ian Kelly. Com Vivianne e outros estilistas da época, a alta costura deixa de ser destinada a pequenos grupos de mulheres ricas e toma uma dimensão industrial. Criada no Pós-Guerra, ela aprendeu a costurar numa época em que a escassez de material criou calcinhas de meninas e mulheres ajustadas ao corpo por botões, devido à falta de elástico para os acabamentos. Privações que aprimoraram a sensibilidade de Vivianne Westwood para o mundo real e a luta pelo fim das desigualdades, uma de suas bandeiras pessoais, transportada a um ambiente associado ao escapismo, mas que ela transformou no palco onde reverberam as mudanças das estruturas da sociedade.