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ATAQUES À IMPRENSA, O MAL. FERNANDA MONTENEGRO, O BEM.


“Quem não acredita em liberdade de expressão para as pessoas que detesta não acredita em liberdade de expressão” – Noam Chomsky


Não de hoje sempre me preocupo com a vitalidade de uma imprensa livre e isenta de agressões, tanto para os que veiculam as notícias (os jornalistas e seus auxiliares diretos, fotógrafos e/ou cinegrafistas), quanto para os veículos que as distribuem (os jornais, rádios e televisões). Quando me refiro a “não de hoje”, refiro-me a uma antiga e longa luta (1979 a 1989) contra a censura e a favor da liberdade de expressão dentro das barbas do Ministério da Justiça. Isso ocorreu no bojo do Conselho Superior da Censura – órgão recursal criado em 1978 pela habilidade do então e fugaz ministro da Justiça Petronio Portela para dar um basta aos absurdos até caricaturais perpetrados pelo que se chamava DCDP (Departamento de Censura às Diversões Públicas), que vetava músicas, filmes e peças teatrais sem dó, nem piedade. O pior, sem critérios lógicos, mínimos que fossem. Apenas pelo prazer da evocação: o então ministro da justiça Portela imaginou um Conselho Recursal com 50% de representantes da Sociedade civil (SBAT, sindicatos, ABI, ABERT etc), e outros 50% de órgãos governamentais (como Defesa de Menores, Comunicações, Cultura). 

De fato, os autores censurados recorriam ao conselho recursal. E logo uma surpresa: as estatísticas anunciaram resultado animador. No plenário dos julgamentos, nós, a sociedade civil, ganhávamos quase sempre a luta contra a censura – ali meu principal parceiro contra a DCDP foi o representante da ABI, o jornalista Pompeu de Sousa, enquanto eu representava a ABERT, os autores de televisão e rádio, além dos músicos e letristas. A ponto, apenas para ilustrar um brevíssimo exemplo. Uma música de Rita Lee, Moleque Sacana, foi vetada pelo uso do adjetivo no título considerado pelos então “censores” (policiais aposentados da polícia federal), como palavrão. Meu parecer ocupou 3 laudas, provando por A mais B, com auxílio dos dicionaristas de quem me socorri Aurélio Ferreira e Antônio Houaiss, que o adjetivo provinha de fontes imemoriais e ... limpíssimas. Aliás, esse assunto de escrever dezenas de pareceres contraditando sandices inacreditáveis me fascinou a tal ponto que editei o livro “Driblando a Censura – de como o cutelo vil incidiu sobre a cultura”, editora Griphus, em 2000, hoje um clássico em escolas de comunicações.

Pois bem, há dias a instituição que titularizou minha luta contra a censura em Brasília, a ABERT (indicado que fui em 1978 pelo meu amigo Boni da TV Globo, já que eu era autor contratado para escrever textos especiais de memória das artes e das músicas), divulgou fatos gravíssimos, centrados nas ameaças, ofensas, agressões físicas a profissionais à imprensa. Esse conjunto de maus-tratos aumentou 22% em 2021, na comparação com o ano anterior. O relatório da ABERT “Violações à liberdade de expressão” contabilizou 145 episódios desse tipo, ou seja, a inaceitável cifra de três agressões por semana. Ao todo foram registradas 230 vítimas entre jornalistas e empresas de comunicação. A nota mais triste foi a procedência apurada dos ataques: mais da metade tinha origem nos apoiadores, aliados e seguranças da equipe do governo.

De fato, o estudo da Associação das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), com o peso de sua credibilidade, tornaria muito embaraçosa a procedência dessas fontes. Outro relatório, igualmente de crédito, o Repórteres sem Fronteira, divulgado ano passado, revelou que o Brasil teria entrado pela primeira vez para a “zona vermelha” da aferição de liberdade (ou falta de) de expressão. Mais uma estatística desconcertante, que me faz corar de insatisfação: entre 2020 e 2021 o país registrou a quarta queda consecutiva, indo do 107° lugar para o 111° no ranking dos países mais atingidos pela censura.

A imprensa livre e a mais ampla liberdade de expressão são direito básico que faz florescer a democracia. Se alguém ainda quiser saber o que significa o horror de fechar/censurar a imprensa, basta olhar para a Rússia de agora, onde jornalistas (muitos são assassinados) são até impedidos de escrever a palavra guerra, de guerra explicita, e invasão, de invasão na Ucrânia.

Em relação à quantidade de jornalistas agredidos, foram 61 profissionais vítimas de chutes, socos e tapas. No caso de ameaças, as mais comuns foram as de morte. Mas houve também disparos de tiros.

Não há como tergiversar: a ABERT contabilizou 230 vítimas, na maioria das vezes atacadas por criminosos não identificados, ou seja, o velho método covarde que não se identificar. De ocultação.

Ricardo Cravo Albin


P.S.1 – Falando em liberdade de expressão, o assunto mais quente desses últimos dias foi a censura implementada pelo TSE a uma manifestação pública do performer Pablo Vittar no festival Lollapalooza em São Paulo. O ministro Edson Facchin pretende levar o assunto ao plenário do STF nos próximos dias. Lulu Santos presente ao incidente no palco grifou a frase épica da Ministra Carmen Lucia – “Cala a boca já morreu”. Há poucos minutos me chegou a notícia de que o TSE desistiu de dar prosseguimento a qualquer ação censória em relação a este episódio. Meno male...

P.S.2 – Motivo de forte emoção, em especial para este que lhes escreve foi o discurso de posse de Fernanda Montenegro na Academia Brasileira de Letras. Ela disse com todas as letras ao evocar com precisão e amor seu antecessor na cadeira 17 da ABL, o herói brasileiro Roquette Pinto: “Meu diploma universitário, eu colhi nos dez dos trabalhos iniciais na emissora que Roquette fundou, a hoje Radio MEC, meu batismo de fogo”. E de sabedoria. Aliás, a Rádio Roquette Pinto do governo do Estado do Rio transmitiu ao vivo e na integra o discurso da nova imortal. O que nunca ocorrera antes.

Um tanto histórico para o jornalista Merval Pereira, acabado de se empossar na Presidência da Casa de Machado de Assis. E para as emissoras culturais do país.