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Atemporal e contemporâneo


No álbum foram gravadas treze canções, todas com letras de Consuelo, bem como são dela duas das treze melodias. Quem assina as outras onze melodias é Rubens Nogueira, seu parceiro, morto em 2012. Dificilmente uma fonte poética poderia ter tido tanta valia.

Ao conceber o projeto, Consuelo trouxe para si a responsabilidade de roteirizá-lo, produzi-lo e dirigi-lo artisticamente. A concepção instrumental, límpida e ao mesmo tempo intensa, conta apenas com o acordeom de Toninho Ferragutti, ele que também escreveu os arranjos, e com a viola caipira e o violão de Neymar Dias, também ele arranjador – som claramente resultante da presença inspiradora de Cecília.

Ainda que com a sonoridade instrumental restrita aos três já nomeados acima, as levadas diversificadas arrebatam, num CD musicalmente rico. Há momentos comoventes. Consuelo canta parecendo estar certa de que está alçando seu trabalho ao rol dos discos que tatuaram seu tempo.

Em O Tempo e o Branco, a poesia, feito a lágrima que desce dos olhos sem pedir licença, pulsa absoluta em cada sílaba de cada palavra de cada verso. Consuelo de Paula, com sua voz nasalada, às vezes quase gutural, imprime às canções uma dose certa de angústia, de dramaticidade, imprimindo-lhes uma teatralidade que faz dela uma bela intérprete diferenciada.

Talvez, encorajada pelos versos do Romanceiro da Inconfidência, Liberdade, essa palavra/ Que o sonho humano alimenta/ Que não há ninguém que explique/ E ninguém que não entenda, Consuelo foi ao mundo de Cecília Meireles, escancarou-lhe a intimidade poética e deixou-se embriagar pela genialidade ceciliana.

Consuelo sente Cecilia. Uma frase desta atrai a poesia da outra. Essa intensa troca de veracidades, entre o presente e o passado poéticos, está clara no que se ouve em O Tempo e o Branco.

Assim é Consuelo, a quem vejo traduzida em “Motivo”, um dos poemas de Cecília Meireles: Não sou alegre nem sou triste/ Sou poeta. Versos que incitaram Consuelo a dizer cantando “Asa Ritmada” (dela e Rubem Nogueira), canção que fecha o CD: Construí um emaranhado de sílabas musicadas/ visitei países inexistentes/ Morri de paixão/ Menti sobre as belezas da vida/ Recomecei por causa de um ramo de acácia/ E vou morrer de cantar/ Morrer de cantar/ Morrer de cantar... Aí está a verdade.

Salve Cecilia Meireles. E viva Consuelo de Paula, criadora de um trabalho de infinita magia, de infindas buscas. Salve ela que cria encantos; salve ela que faz da música sinal de fumaça em busca de se despir; salve ela que tem o dom de cantar seus devaneios; salve ela que dribla o ramerrão para assinalar belezas; salve ela que dá o melhor de si em prol nem que seja de um momento fugaz de serenidade. Ainda que fugidio, esse breve instante permanecerá memorável.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4