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Bilhete aberto ao Guga


Vibrei com seus títulos – tantos! Sofri e lamentei seus revezes – poucos, graças a Deus! Acordei cedo para vê-lo. Dormi tarde para acompanhá-lo. Quanta competência a sua, amigão. Quanta técnica, quanta determinação. Pra você nunca houve ponto perdido. Perder uma partida, então, só se o adversário botasse sangue pelas ventas. E o tempo foi passando. Contusões minaram o físico do atleta. Cirurgias foram inevitáveis. Os treinos deram lugar à fisioterapia. Não há tatu que agüente esse rojão, não é não, meu velho? Mas você fez o barco continuar navegando. O mar crescia à sua volta. Você, sem a sua prancha de surfe, continuou remando agarrado à raquete e ao sonho de perpetuar seu prazer de jogar tênis. Você jogava por sua família, por seus amigos mais chegados, por seu treinador – grande Larri Passos! –, e por nós, seus amigos anônimos. E continuamos a acompanhá-lo. Agora, vibrando com seus títulos, poucos, infelizmente! Sofrendo com seus revezes, tantos, meu Deus!E você resolveu parar de jogar. Posso confessar? Senti um baita alívio. Minha enorme amizade por você me fazia sofrer amargamente a cada ponto não-forçado dado aos adversários de pouca expressão, e doía um bocado. E doía mais por eu ter certeza de que em você doía mais ainda. Qual amigo suporta o sofrimento de outro amigo, né?Pois ontem você voltou à quadra. A imagem era exatamente a que eu guardara na memória: um jovem esguio, barba por fazer e no rosto a certeza de que venceria a partida. Mas acho que os seus olhos enxergavam aquilo que este seu amigo aqui não conseguia ver. Seus olhos viam o futuro e ele não condizia com o seu desejo. O atleta dava lugar ao não-atleta, ao homem, ao Gustavo Kuerten. Ainda no primeiro set dava pra sentir que o seu cansaço vinha a galope – inexorável! Por fim, as lágrimas. Dói muito a certeza de que não podemos tudo, não é amigão. Dói uma barbaridade reconhecer que os limites do físico se impõem ao do corpo e, pior, ao da alma que sonha com a perenidade do sonho. Cada lágrima que vi rolar de seus olhos, amigo, era como um grito de dor e de raiva pelo passar do tempo que não volta.E mais uma vez, amigo, você teve sinceridade e clarividência únicas: “Não paro por quero, paro porque não consigo mais”. Chorei contigo, meu véio.Despeço-me agora. Um forte e solidário abraço deste, mais um, dentre tantos, seu amigo para sempre.        AquilesEm tempo: Só mais uma coisinha... Precisava ser justo prum argentino?!Aquiles Rique Reis é vocalista do MPB4