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A CARA DO RIO


(Minha homenagem à cidade, no Dia de São Sebastião. Publicada na Revista Traços RJ, nº 6).


1.
     Marido aguarda a mulher na sala de espera do consultório, no carioquíssimo Edifício Avenida Central. 
     Quando ela sai do atendimento, ele quer saber:
     – E aí, o que a doutora disse?
     – Que não tenho nada. Estou ótima!
     – E esse chiado no peito é o quê?
     – Só preocupação e nervoso.
     E o acompanhante, incrédulo:
    – Então jogamos dinheiro fora...
2. 
     Caminhando pela Rua Uruguaiana, sou abordado pelo garoto que distribui aqueles papelins de propaganda de casas de massagem, cheios de fotos de mulher pelada:
     – Aí, tio! Cabeça branca paga meia.
     A cara do Rio, né não?
3.           
   Crianças a caminho da escola, de olhos vendados, transportadas por adultos tão assustados quanto elas, pulando corpos ensanguentados nas vielas da Rocinha, são também, hoje, a cara do Rio. Ou, pelo menos, do Rio que autoridades omissas fazem refletir no nosso espelho diário.
4.   
     Fotografei o tipo saindo do Metrô no Largo do Machado. Jornal debaixo do braço, dobrado no Caderno de Esportes, bigodinho aparado à la personagem do Dalton Trevisan, olhando pros lados como se estivesse procurando vítimas. Encostou na mocinha que esperava no ponto final do 569 e disparou:
     – Conheço você não sei de onde.
     A resposta da moça foi nota dez:
     – Melhor mesmo nem saber.
5.
    Num ponto de ônibus do Humaitá. Sujeito misto de mendigo e guardador de carro, conhecidíssimo dos moradores do bairro, se aproximou de um engravatado e pediu um dinheirinho:
     – O senhor não tem vergonha? Um homem tão jovem, tão forte, tão disposto... por que não vai arranjar um emprego? – berrou o sujeito.
     E o mendigo, tranquilão:
     – Peraí, meu amigo. Estou pedindo esmolas, e não conselho.
6.           
   Amiga minha, dentista com consultório no Flamengo, é uma tremenda gozadora. Dia desses recebeu um sujeito que queria porque queria arrancar um dente. Perguntou o preço.
    – Trezentas pratas – ela respondeu.
     O paciente chiou:
    – O que é isso, doutora? A senhora não leva nem dez minutos para arrancar um dente.
     E a gozadora, alisando o boticão:
     – Se o senhor fizer questão, posso arrancá-lo bem devagarinho.