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Cinderela vive


Todos esses escritores merecem leitura pela qualidade e lirismo de suas histórias. Sempre que me deparo com alguém que nunca li, sinto a esperança de desfrutar do encantamento com na descoberta de grandes narradores. É bem difícil que isso aconteça hoje, principalmente, na literatura de entretenimento. Mas eu tento. Abri, esperançosa, Uma pitada de amor (Record, R$ ), de Katie Fforde, vencedora do prêmio de melhor romance contemporâneo da Romantic Novelist’s Association em 2012 – entidade que ela preside, desde 2011.  

Katie Fforde escreve chick lit, o filão literário aberto com O Diário de Bridget Jones (Bestbolso, R$ 20 ), em 1998. O problema com este nicho é seu ápice aconteceu em sua primeira criação. As divertidas trapalhadas amorosas de uma mulher solteira na faixa dos 30 anos foram calcada na estrutura de Orgulho e Preconceito   (Bestbolso, R$ 22). Depois de vender mais de dois milhões de exemplares no mundo inteiro, virou filme  e esgotou o gênero.  A única tentativa com algum brilho,no segmento, apareceu na série iniciada com Melancia (Bestbolso, R$ 25), da irlandesa Marian Keyes.  Uma menção honrosa pode ser dada à série Beckie Bloom, de Sophie Kinsella. Em vinte anos, as cinderelas modernas têm mais força como personagens de cinema do que em termos literários. 

A leitura de Katie Fforde não é difícil, ao contrário. A trama enfoca uma competição de cozinheiros semiprofissionais em um reality show de televisão. A protagonista se envolve com um dos jurados, aquele bonitão frio, mal humorado, um carbono contemporâneo do Mr. Darcy. Ele é rude, sexy, tem responsabilidades com a família e um grande caráter. Como nos romances de banca de jornal, os opostos se atraem numa paixão para toda a eternidade. Uma bruxa linda e invejosa vai conspirar contra os amantes, um mal entendido acaba por separá-los. O fim é mais do que previsível.

Se a narrativa corre próxima ao inverossímil, com situações que forçam o compartilhamento de quartos entre o casal, que mantém o respeito e a castidade até que uma força maior os jogue nos braços um do outro, a consistência dos personagens inexiste (a mãe da mocinha é sua principal confidente, a heroína é um poço de boa vontade em servir a todos que necessitam de ajuda, os aristocratas são cruéis e ignorantes com os plebeus). As informações sobre o romance, na capa, prometem mais do que a historieta, como um trailer melhor que um filme. Legível, é. Bem traduzido, também. E tem coisa mais irreal ainda no mercado. Produzido por jovens brasileiras, recém-saídas da puberdade. Que acreditam escrever para um público de “jovens adultos”, quando a faixa etária de um leitor que aceite suas tramas não pode ser superior a pré-adolescentes.

Katie Fforde não deve ter grande saída no Brasil. Já Não se iluda, não (Intrínseca, R$ 29,90), da mineira Isabela Freitas, que conjuga um sofrimentos românticos com conselhos de autoajuda e toques autobiográficos, está em primeiro lugar nas listas de mais vendidos, seguindo a trajetória de seu romance de estreia, que teve 300 mil cópias vendidas. Como uma ex-leitora de Sabrina, Júlia e outras edições de banca de jornal na adolescência, além da papisa do gênero romântico, Barbara Cartland, eu não deveria me espantar com o sucesso desses contos para quem tem complexo de Cinderela. Eu cresci. Outras leitoras ainda crescerão. E sustentarão a indústria do livro. Que continuará a publicar Jane Austen. Já outras autoras perecerão no tempo, como as fotonovelas.