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Ciro Monteiro e a vocação da amizade


Ciro Monteiro nasceu no bairro do Rocha, no Rio de Janeiro, em 1913. Virou cantor por influência de um tio, o maestro Nonô, e o primeiro sucesso pipocou em 1938, quando gravou Se acaso você chegasse (que ele chamava de “meu hino nacional”), criação imortal de um compositor gaúcho também iniciante chamado Lupicínio Rodrigues (“Se acaso você chegasse/No meu chateau e encontrasse/Aquela mulher que você gostou/Será que tinha coragem/De trocar nossa amizade/Por ela que já lhe abandonou? ...”). A canção foi mostrada pela primeira vez no Programa Picolino (apresentado por Barbosa Júnior), na Rádio Mayrink Veiga. “Um amigo meu, Célio Ferreira, trouxe do Rio Grande do Sul este samba e me entregou na porta da Mayrink. Aprendi na hora, fui lá pra cima com Nonô, meu saudoso tio, ao piano, e lancei naquela mesma hora. Aí o telefone não parou. Eu tive que cantar o samba três vezes”, contou ele em uma entrevista.A voz suave e encorpada, cheia de ginga, bailando na síncope musical, caiu feito uma luva para os compositores de samba. Daí em diante vieram gravações espetaculares de obras de Roberto Martins, Mário Rossi, Ary Monteiro e Wilson Batista. Em 1942, Ciro Monteiro conquistou definitivamente o Brasil em 1942, com a gravação do samba Falsa baiana (“Baiana que entra na roda, só fica parada/Não canta, não samba, não bole, nem nada/Não sabe deixar a mocidade louca/Baiana é aquela que entra no samba de qualquer maneira/Se mexe, remexe, dá nó nas cadeiras/E deixa a moçada com água na boca”), do mangueirense Geraldo Pereira. Falsa baiana fora recusado pelo cantor Roberto Paiva, que era o intérprete preferido de Geraldo. Paiva não entendeu bem o espírito do samba (já disse numa entrevista que Geraldo o procurou em uma hora ruim), recusou-o e se arrepende pelo gesto até hoje. Depois Ciro gravou outros sucessos do compositor mangueirense, sendo o maior deles o malandríssimo Escurinho (“O escurinho era um escuro direitinho/Agora está com a mania de brigão/parece praga de madrinha/Ou macumba de alguma escurinha/Que lhe fez ingratidão ...”). 

Flamenguista dos mais apaixonados, Ciro tinha o hábito de presentear com uma camisetinha do clube do coração cada filho de amigo que nascia. E sentia prazer especial no gesto quando o pai torcia por outro time do Rio de Janeiro, como foi o caso do compositor Chico Buarque. Torcedor fanático do Fluminense, Chico foi presenteado com o manto sagrado do Mengão quando nasceu sua primeira filha e devolveu o mimo a Ciro com um samba lindo, chamado Receita para virar casaca de neném (“Amigo Ciro/Muito te admiro/Meu chapéu te tiro/Muito humildemente. Minha petiza/Agradece a camisa/Que lhe deste à guisa/De gentil presente/Mas, caro nego/Um pano rubro-negro/É presente de grego/Não de um bom irmão...”). Ciro Monteiro gravou obras-primas como Beija-me (Roberto Martins e Mário Rossi), Botões de laranjeira (Pedro Caetano), Meu pandeiro (Luiz Gonzaga e Ary Monteiro), Rosa Morena (Dorival Caymmi), O amor e a rosa (Pernambuco e Antonio Maria), A mesma rosa amarela (Capiba e Carlos Pena Filho), Emília (Wilson Batista e Haroldo Lobo), Filosofia (Noel Rosa), Izaura (Herivelto Martins e Roberto Roberti), Jura (Sinhô) e Rugas (Nelson Cavaquinho, Augusto Garcez e Ary Monteiro). Cantou para subir (os canários sobem cantando) em 1973, no dia 13 de julho.