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Compositor novato é grata surpresa


Logo nas duas primeiras músicas, a guitarra estridentemente tocada por Gustavo Camardella deu a impressão de que a mixagem poderia jogar no chão todo o trabalho. A impressão seria desfeita na seqüência do que eu ainda ouviria. Desfeita, inclusive, pela bela participação da guitarra de Camardella em “Máscara” e na faixa bônus “A Folia da Menina Passarim”. E, afinal, a mixagem se mostrou perfeitamente funcional à proposta que Claudio Lyra tinha ao conceber sua estréia no mercado fonográfico. Preocupei-me à toa. Faixa por faixa, continuei a escutar o CD. Logo veio a terceira faixa, “Quando o Amor Diz Sim”, à qual Fátima Guedes empresta a sua voz grave.  Sozinha ou em duo com Claudio, ela demonstra sua tarimba no ofício de revelar belezas. Ao violão do autor se juntam o cavaquinho de Chiquito Braga e o violino de Nicolas Krassik, que dão ares de salutar modernidade musical à boa levada da canção.Segue-se “Você Não Sabe o Quanto”, samba delicado conduzido pelo baixo de Maurício Maestro, ele que também escreveu um ótimo fraseado para a flauta de Marcelo Martins. A bateria de Leo Peçanha, presente em praticamente todas as faixas, é presença discreta, porém altamente eficiente ao se prestar à nobre função de ditar o ritmo ao qual todos têm de se encaixar.“Morena do Mar (Menina do Rio)” é composição com nuances de sutis lembranças do melhor que João Donato já compôs. O que, por si só, engrandece a bela composição de Claudio. Cantada a quatro vozes por ele, Carlos Lyra (tio de Claudio), Kay Lyra e Mauricio Maestro, e acompanhados por Chiquito Braga e seu cavaquinho e pela percussão de Tiago Mocotó, Leo Peçanha e Gabriel Lopes, nela destacam-se também a flauta de Marcelo Martins e o trombone de Aldivas Ayres.(Um parêntese: meu Deus! Por que letrinhas tão miudinhas no encarte? Quem, se não com a ajuda dos olhos aguçados de um jovem filho, consegue decifrar os nomes dos músicos que participaram da gravação, por exemplo?)Protesto feito, volto ao CD Em Paz Com os Meus, que revela um compositor com o gene da boa música no sangue. Ele a compõe com a sabedoria dos que não buscam na afetação esnobe um caminho que só o distanciaria daqueles a quem se dirigem suas notas e suas palavras embaladas por harmonias funcionais e populares. Linda é a faixa oito, “Estrela do Mar”. Delicadamente chega a percussão. Claudio canta a doce melodia e vêm o violino de Felipe Prazeres e Denise Pedrassol, a viola de Nayran Peçanha e o violoncelo de Paulo Santoro – que, com Maurício Maestro, escreveu o arranjo para as cordas –, dando clima de romantismo ao ar. Mas Claudio o ensandece com sua guitarra distorcida. As cordas voltam. E mais uma vez vem a guitarra. Com esta troca de intenções musicais e melódicas, criou-se um belo arranjo para uma bela cantiga. Piano, violão e bateria se juntam para dar forma ao samba bossa nova “As Canções Jamais Escritas”. Enquanto um lírico solo de guitarra ponteia toda a melodia e a conduz até o final, a letra determina: “(...) A vida é engraçada/ Certas pessoas ressurgem do nada”.Seguramente, Claudio, a vida é engraçada... e surpreendente. Agradavelmente inesperada é ela, a vida que nos permite o prazer desta grata surpresa que é sabê-lo tão bom compositor quanto cantor correto – voz pequena, agradável –, instrumentista e arranjador inspirado, atributos incontestemente demonstrados neste primeiro CD. Claudio é também um bom melodista, suas canções refletem o que vem das cordas de seu violão tocado em todas as 12 faixas de seu álbum.Até lá, onde Cláudio Lyra poderá chegar, certamente muito chão ainda há para ele pisar e cantar. Nada que possa travar a sua mocidade musical aqui tão bem revelada.Aquiles Rique Reis, músico e integrante do MPB4