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Cretino, o destino


Para Gilse, a companheira da Rua Correa Vasques, dizia que chegava tarde porque precisava fazer hora extra, todos os dias, pois as despesas em casa eram enormes e a vida estava pela hora da morte. Muito atencioso, o Pedrão.

Tudo certo. Seção da tarde de mãos dadas no sofá, em Copa; novela das nove de perninhas entrelaçadas no Estácio.

Além de atencioso, Pedrão era um homem bom e justo. Repartia tudo por igual com as duas casas. O carinho, o tempo, o dinheiro e até a paternidade. Tinha uma filha com Edite e outra com Gilse. Ambas se chamavam Elisa, nome da mãe da avó paterna. Sensível, o Pedrão, além de atencioso, carinhoso, bom e justo. Destinava todas as gorjetas recebidas à educação das meninas, matriculadas pelas mães em colégio modesto, porém decente, no bairro de Botafogo, perto do Metrô – fácil acesso para quem mora tanto em Copacabana quanto no Estácio .

Quis o destino sábio que o colégio de uma Elisa fosse o mesmo da outra. Que as irmãs ficassem na mesma turma. Que achassem muito curioso os nomes e um dos sobrenomes serem semelhantes. 

Ficaram amigas e um dia uma perguntou o nome do pai da outra. Impressionadas com tanta coincidência, levaram o assunto para suas casas. Começou a dar ruim pro nosso amigo.

Quis ainda o destino sonso que o assunto deixasse as mães intrigadas e que uma fosse à escola da filha, o que também aconteceu com a outra, para conhecer melhor a amiguinha. Que a visita de uma se desse no mesmo dia da visita da outra. Que descobrissem no mesmo instante, Edite e Gilse, que dividiam o mesmo atencioso Pedrão. Que ele agora estava em maus lençóis.

E quis o destino sacana que as mães das pequenas Elisas (cada vez mais próximas uma da outra) ficassem amigas no infortúnio. E que combinassem uma visita surpresa das quatro ao marido e pai. Esperaram o atencioso Pedrão na porta do hotel. Sensível como poucos, quando viu as quatro mulheres de sua vida, todas de mãos dadas do outro lado da rua, a emoção falou mais alto e ele caiu num pranto inconsolável.

Elas concluíram que não tinham porque censurar aquele homem, um coração grande daqueles, e sim levá­-lo para casa e consolá­-lo, cobrindo-­o de beijos e de carinhos compreensivos.

Quis o destino cretino que aí pintasse o primeiro desentendimento: levá­-lo para o Estácio ou para Copacabana?