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Crônicas de uma cidade crônica


Sorrisos


Na recepção do hospital, em Copacabana, duas menininhas – entre seis e sete anos – em tratamento contra o câncer.
Estão sentadas lado a lado. Uma está inteiramente careca, a outra ainda tem uns fiozinhos.
A que já não os possui alisa a cabeça da outra, dedos delicados entre os fiapos, misto de admiração e ternura.
Elas sorriem.
Aquelas menininhas sorriem.

Fogo

Ajoelhada sobre os calcanhares, apoiada nas juntas dos dedos magros, cotovelos rotos, a pequena vendedora de doces cochila sobre os sonhos.
A pausa é incerta, o trabalho insano, a vigília aumenta o cansaço.
A menina sabe que nuvens pesadas desabam de repente, que o fogo propaga, os sinais vermelhos são todos acesos ao mesmo tempo.
E os pombos da rua gritam: “Corre, miúda, que já te viram”.

Erro

Obrigada a identificar o corpo do marido na geladeira do necrotério, a mulher se curva diante do tempo, do orgulho ferido, do despautério, do que faltou do amor e sobrou de desterro.
Então, confessa com horror o horror:
Eu identifico, doutor. É ele, é ele, o meu erro.