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Decoração bibliófila


Uma das tendências atuais nesses artigos é o ordenamento de livros por tamanho e cor, com efeitos organizacionalmente duvidosos. Haja memória para se lembrar que a nova edição de “A Bagaceira”  (José Olympio, R$  42,90), de José Américo de Almeida,  estará agrupada ao lado de “Uma história natural da curiosidade” (Companhia das Letras, 59,90), de Alberto Manguel, pois ambos têm as mesmas dimensões  e lombadas em tons semelhantes de vermelho. Não importa que um seja o marco inicial modernista do regionalismo na literatura brasileira e que o outro trate da curiosidade como impulso para o conhecimento, a arte e a filosofia, a partir dos olhares de Dante, Lewis Carrol e Socrates. Próximos a eles ficariam “Baladas Proibidas” (Record, R$ 39,90 ), de Bolivar Torres e Gabriel Godoy, e “A volta ao mundo em 80 dias” (Zahar, R$ 49,90), de Jules Verne, também classificados de acordo com a tonalidade vermelho-escuro das lombadas, mesmo que o primeiro conte a trajetória de um jovem brasileiro, traficante de drogas,  e o segundo seja um  popularíssimo clássico do romance de aventura do século XIX (que vem com comentários e ilustrações da época, em novo imperdível lançamento da coleção Clássicos Zahar). 


Em “A biblioteca, à noite” (Companhia das Letras, R$ 54,90), Alberto Manguel fala de bibliotecas no mundo todo e relata como construiu um abrigo para seus 40 mil livros, no interior da França. No início, imaginava “estantes que começassem à altura do quadril e subissem apenas até onde chegasse a ponta dos dedos” do braço estendido, pois “livros condenados a alturas que pedem escadas ou a profundezas que obriguem o leitor a rastejar acabam por receber muito menos atenção que seus companheiros a meia altura, seja qual for seu assunto ou mérito”. Por falta de espaço para expandir horizontalmente as prateleiras, Manguel, que hoje é o presidente da Biblioteca Nacional da Argentina, teve que se contentar em empilhar livros até o teto.

A ordenação cromática poria este livro de Manguel distante do retante de sua obra, mas próximo ao belíssimo “Charlotte” (Bertrand, R$ 49,90) de David Foenkinos. Talvez combinasse também com “O livro dos Baltimore” (Intrínseca, R$  49,90), de Joel Dicker. A biografia da pintora Charlotte Salomon, morta em Auschwitz, aos 26 anos, grávida, é contada por Foenkinos com frases curtas enfileiradas, como um poema épico, compondo um texto lírico de imagens fortes e comoventes. Já a saga de uma família judia, centrada na convivência de três primos e uma jovem a quem todos os garotos amam, fala de amadurecimento, lealdade, traição e amizade com tanta intensidade que é difícil deixar a leitura de lado.
Em tempo:  melhor que pensar em decoração é ler essas delícias.