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Deixe-se surpreender pelo som desabusado de Julio Dain


Em primeiro lugar, Julio o surpreenderá. Suas melodias são absolutamente admiráveis. Tanto que, numa primeira audição, a sensação de estranhamento poderá causar certo desconforto. Mas ligue não, prezado leitor: logo você perceberá que a linha melódica com ares de atonalidades que brota com a letra é a marca belamente registrada do jovem Julio.Se o moço tem a manha da melodia audaciosamente elaborada, tem também o mapa para buscar palavras que comporão versos igualmente diferenciados. Tudo junto, mais o auxílio de uns poucos e bons músicos, parceiros de estrada e vivência musical pelos palcos do mundo, e a música de Julio Dain nos chega feito sopro de vitalidade e frescor.Em sua volta à terra, o menino, adulto amadurecido, lança Outro Vento (Biscoito Fino). E, de fato, as suas 12 faixas soam como vento presenteador a levar e trazer belezas plenas de audácias que se espalham sobre tudo o que encontram pelo caminho.Partindo de uma formação instrumental tradicional, piano (Julio Dain), baixo (Fabrizio Fenoglietto), bateria (Luis Augusto Cavani), percussão (Edmundo Carneiro) e, eventualmente, violino (Line Kruse), sax e flauta (Bobby Rangell), trombone Edivandro Borges) e a voz de Ligiana Costa, os arranjos seguem o mote dado pela música criada por Julio: impensável, até que se revele; surpreendente, até que se ouça. Cantor que dispensa exuberâncias e se reforça em voz personalíssima, Julio é também um pianista e tecladista extremamente competente. Do início ao fim, Outro Vento é manifestação de um som e de uma poesia que passam ao largo do pré-estabelecido.Na letra de “Consciência X Sensação”, a faixa três do álbum, Dain brinca com o “com” de “consciência” e o “sem” de “sensação”. Bela sacada que lhe permite compor versos transcritos no encarte, sem pontuação, como estes: “(...) Sem lenço e sem documento sempre sempre sem cem por cento/ Tudo agora é consentido sem sentido e com sentimento.” O piano começa e traz consigo o ritmo da bateria. Mas é a voz de Ligiana que Julio encarrega de realçar os seus “sem” e “com”. A modernidade da palavra cantada e da nota tocada nos faz ter certeza de que estamos diante de algo criativamente fértil. Sim! Estamos diante de um jovem que dispensa bons acertos já experimentados por outros de gerações anteriores à sua e também sacadas de jovens contemporâneos seus.A faixa quatro, “Prelúdio”, é instrumental. O piano é quem comanda, enquanto o baixo lautamente auxilia. Curtinha, pouco mais de 60 segundos, ela funciona como uma iniciação para “Elevado a Dois”, a faixa que vem logo a seguir. Canção amorosa, sem pieguices já exauridas, ela vale-se da abertura instrumental para ser eficaz em sua disposição de demonstrar afeto por meio de palavras e do soar das notas do sax.  “Que Linda Japonesa” reforça o rol de surpreendências reservadas por Julio aos ouvidos que lhes dêem atenção. Com o baixo chamando e a bateria percutindo suavemente as peles com as vassourinhas, o piano de Dain reforça com teclas atacadas o canto da melodia. Embora pareçam apartadas, letra e música se fazem vigorosamente juntas, atualizadas pelo som que nos dão.Em “Nas Entrelinhas”, Julio demonstra um belo grave que ressalta a letra de uma beleza tão simples quanto intensa. “O que nas entrelinhas tem seu cume/ Assim tal nome, tal palavra assume/ Forma que não se vê, mas se presume (...)”, canta ele. E surge o violino, total colorindo a aflita emoção. Tudo em Outro Vento vem da intensa beleza que traduz o que vai n’alma musical do criador que sabe o que quer e arrisca querer o que surpreende. Tantos são os ventos que o impulsionam, e eles mudam tanto ao sabor de seu sopro vital, que tudo assombra, tudo excita para a música.Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4