Loading...

dEs-RE-cOnS-tRuÍndO Macunaíma


Em seu primeiro trabalho solo, após lançar dois CDs com o trio DonaZica, Iara –  cantora, compositora, instrumentista, arranjadora e produtora musical – lança Macunaó.perai.matupi – Macunaíma Ópera Tupi (independente, com apoio da Petrobras). Com tiragem inicial de 3.000 cópias, grande parte destinada à rede pública de ensino, o CD ainda demorará um pouco para estar disponível nas lojas. Nele, Iara Rennó capitaneia um time que, a seu lado, assina as produções musicais de cada uma das 14 faixas do álbum: Siba, Kassin, Moreno Veloso, Benjamin Taubkin, Beto Villares, Alexandre Basa, Maurício Takara, Daniel Ganjaman, Quincas Moreira e Buguinha Dub. E convidados especiais: Tom Zé, Fuloresta (a banda de Siba), Arrigo Barnabé, Dante Ozetti, Funk Buia, Barbatuques e Tetê Espíndola. Aqui, Iara Rennó escancara um Brasil que não se ouve, escondido que está entre cipós e árvores frondosas, e também por entre viadutos de ferro retorcido e arranha-céus de cimento armado até os dentes. Sua voz é mais do que talhada para des-reconstruir Macunaíma. Ela é atriz e é cantora, síntese absoluta de uma obra aberta, nascida para mexer com conceitos pré-estabelecidos.A faixa um é, justamente, “Macunaíma”, produção musical de Buguinha e Iara Rennó. Com arranjo dela, as cordas vêm em piccicato (Alexandre de Leon, viola, Flávio Geraldini e Luiz Amato, violinos, Ricardo Fukuda, violoncelo). A percussão (Da Lua, Toca Ogan, Tom Rocha), baseada nas congas, a guitarra (Gustavo Ruiz) e o baixo (André Negão) dão ritmo à festa. E vem um riff de guitarra e o coro feminino (Anelis Assumpção, Andréia Dias, Simone Julian). Todos se espraiam em distorções e efeitos: cada um em si e os deuses em todos – música viva.“Mandu Sarará” vem a seguir. A produção é de Iara; o arranjo de cordas, de Arrigo Barnabé. Tudo com contagiante desdém às formalidades estético-musicais corriqueiras. Introdução com violão e cordas. Chega o cello. A percussão espanta! O ritmo se estabelece, segue rumo incerto. Volta. Encontra-se com as cordas. O sintetizador está lá. Vigorosas, as cordas soam densas como visgo prendendo tímpanos e almas.“Nina Macunaíma” tem produção musical de Moreno Veloso, ele que também toca violoncelo e vibrafone. Joana Adnet está nos clarinetes, e Kassin, no baixo acústico. Todos acompanham a voz afinada e personalíssima de Iara. Baixo e clarinete se soltam. Vem o vibrafone para enlevar o clima de ainda maior delicadeza.Com o corpo o Barbatuques sonoriza “Quando a Lua Mingua”, que tem produção musical de Buguinha Dub e Iara Rennó, que também criou o arranjo de metais: Amílcar Rodrigues, trompete; Marcelo Monteiro, sax tenor; Simone Julian, sax soprano e flauta; Tiquinho, trombone. A voz grave masculina contraponteia com as femininas. E tome de sons irreconhecíveis a ouvido nu, já que não são mesmo tirados para terem reconhecida sua origem, mas sim para se prestar a darem à música inquietude inovadora.De tanto sacudir o esqueleto na poltrona, caí. Acordei na floresta – a cascavel chacoalhava seus guizos; macacos punham cascas de banana à minha frente. Risadas lancinantes me arrepiavam os pêlos, eram as hienas. Acho. O cheiro da floresta me aguçava o apetite. Fui à caça, não matei nenhuma; fui à pesca, trouxe a vitória-régia. Um carrapato me grudou à virilha. O boto me apresentou à sereia. Fui a ela e deitei-me a seus pés. Acordei em seus braços. A barriga cheia de peixe, carrapato até nos dentes, flor até na boca. Senti uma preguiça... Mas como estava bom.Macunaíma Ópera Tupi traz o Mario de Andrade de Iara Rennó. Deliciem-se, mas sugiro que não os enquadrem. Eles não são retrato, mas filme de (re) ação. Cães lindamente uivando à lua.Aquiles Rique Reis, músico, vocalista do MPB4