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Deslumbre



O menino vai até a porta e olha em direção à rua. Depois volta ao corredor, recolhe os times de botão espalhados sobre o pedaço de compensado. Põe tudo na lata de leite Ninho e volta a olhar a rua. A mãe nunca demorou tanto.

Os irmãos folheiam uma revista de esportes, emprestada pelo vizinho. O do meio é Fluminense e arranca para pregar na parede a foto em que Castilho dá um voo com a bola colada no peito. Depois arranca para o irmão menor, que é Flamengo, a foto em que Dida está sorrindo de cócoras com a bola entre as pernas. O mais velho não gosta de futebol. Gosta de carros. Fica na janela ouvindo o barulho dos motores e escolhendo o modelo que vai comprar, um dia. É o primeiro a dar boa noite à mãe, quando ela chega.

A jornada na cozinha da pensão foi difícil. A mãe parece muito cansada. Tem suor nos cabelos e as unhas da mão estão muito sujas. Tira da sacola a marmita com pedaços de torresmo, de aipim, de pão de sal e de carne assada. Põe tudo sobre a mesa. Uma das filhas está com cólicas. O filho do meio reclama de dor no ouvido. A mãe não se oferece para ajudá-los. A mãe não aguenta preparar remédio nem carinho. Deita-se sem banho.

O menino olha aquelas farturas sobre a mesa e se arrepende de ter enchido a barriga de beiju e café. Todos dormem e ele liga o rádio bem baixinho para ouvir o futebol. Tão baixinho que quase não escuta nada. Fica olhando o desenho das telhas, as aranhas que dançam entre elas, a manhã que chega por elas, saindo da noite que nem uma borboleta vermelha da lagarta de fogo, deslumbrante.