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Dias frios para ler alguns livros


O inverno tropical já chegou, momento de seguir a máxima djavânica de, nos dias frios, encontrar bons lugares para ler um livro. De preferência, debaixo das cobertas, aconchegado na rede, na cama, na poltrona, aquecendo a mente ainda que refletindo sobre angústias reais ou ficcionais.


A corajosa autoexposição do ator Elliot Page em Pageboy (Intrínseca, R$ 49,90), suas memórias sobre uma vida de ansiedade antes de se reconhecer como uma pessoa queer e trans protege outras figuras hollywoodianas que mantêm segredo sobre a sexualidade a fim de não prejudicar as oportunidades da carreira. O canadense Elliot alcançou o estrelato em 2008, ao protagonizar o filme norte-americano Juno, sobre uma adolescente grávida que entrega o filho para a adoção. Na mesma época, Elliot, conhecida então como Ellen Page, entrou para a saga cinematográfica dos X-Men, e participou de Para Roma, com amor, dirigido por Woody Allen. O sofrimento por não se identificar com roupas e hábitos de menina não foi superado ao se revelar lésbica, apesar da pressão contrária da indústria, que a preferia como uma mulher atraente.


A imensa solidão da menina não se modifica apesar do sucesso no cinema. Elliot demonstra ressentimento profundo do pai, mas reconhece a dificuldade da mãe em compreender sua transexualidade. Sem falar sobre os sacrifícios para se tornar astro, o ator comenta o envolvimento profundo com os problemas de alguns dos personagens que interpretou. No entanto, sua principal preocupação ao longo de mais de 30 anos jamais foi a carreira e sim encontrar seu próprio gênero. No livro, ele conta que a cirurgia para extirpar os seios foi libertadora e afirma ter paciência para conseguir a transformação total, através de medicamentos.


A antepenúltima aventura do comissário Salvo Montalbano, O método siciliano (L&PM, R$ 50,90), começa com os mesmo toques cômicos dos romances anteriores, mas toma um andamento pesado e sinistro que raramente Andrea Camilleri imprimiu na série. O toque de humor vem da forma como se descobre um cadáver: o principal auxiliar de Montalbano, o mulherengo Mimi Augello, invade o apartamento vizinho ao de sua amante, quando percebe a iminente chegada do marido traído. É lá que se depara com um morto, cujo provável assassinato não pode investigar, já que não há ninguém no imóvel para informar aos policiais. E ao retornar ao apartamento, o cadáver sumiu. Se Montalbano continua com o excelente apetite e a argúcia dos velhos tempos, a melancolia que envolve o personagem cansado de tanto trabalhar se espalha pelo ambiente, onde outro morto misterioso aparece, enquanto a atrapalhada equipe tenta encontrar o primeiro assassinado, desta vez com o reforço de uma bela e nova patologista, que leva o comissário a decisões irrefletidas.


Essa mescla de desânimo com observação da existência, sem tanto deslumbramento pelas descobertas, porém celebrando a beleza da vida está em Edifício (Patuá, R$ 45), que reúne 40 poemas do carioca Leandro Jardim. Não faltam críticas: ao universo digital que se tornou o ambiente onde se dá boa parte das experiências humanas atuais, à pressão de uma sociedade em que o virtual domina e controla as presenças, às fórmulas de sucesso que rejeitam uma educação clássica e privilegiam a análise dos métodos dos vencedores (particularmente em oficinas “papa-prêmio” literárias)’. Contudo, sempre há esperança, no nascimento de uma filha, na vida que se desenrola diante das janelas dos prédios na cidade grande e na nesga de sol que aquece o início de um dia de trabalho.