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Emília Monteiro vive de cantar e voar


Embora hoje a música do Pará seja reconhecida e divulgada no restante do país (e não sem razão, é bom que se diga), a música do Amapá ainda não tem o reconhecimento merecido por sua diversidade rítmica e poética. Pois, assim como Belém, Macapá também é palco de grandes manifestações da cultura popular trazidas pelos negros africanos: marabaixo, batuque, carimbó, carimbó-batuque, carimbó rural, batuque-jazz, dentre outros.

Dessa miscigenação musical, típica do Norte brasileiro, deriva a energia de Emília Monteiro em Cheia de Graça (independente), seu primeiro CD. Os tambores traduzem a atmosfera da floresta. As melodias, embaladas por incrível suingue, têm a beleza de uma vitória-régia. Os versos revelam mistérios que se esgueiram como a onça em busca da presa. Música que a ventania leva adiante, como o oxigênio vai pulmões adentro. Músicas encantadas que falam de uma Amazônia que só conhecem os que lhes conhecem as entranhas.

Assim, plenos de mistérios, a Amazônia e o Amazonas soam trombetas para anunciar que mais uma de suas filhas está apta a brilhar. E ela vem toda faceira lá de Macapá, via Brasília, afinada, suingada, brejeira, abençoada pela densa mata da Amazônia.

Tudo começa com “Mandacaru” (Nanon), um batuque-jazz pleno de guitarras e tambores. A força da cantora se expõe.

“Veneno de Cobra” (dona Odete), que tem participação da autora cantando com Emília, é um dançante “zouk love” (ritmo vindo das Antilhas), onde brilha o naipe de metais.

“Mal de Amor” é um marabaixo composto por Joãozinho Gomes e Val Milhomem. Os tambores pontuam uma trágica história do ciúme: (...) O amor do nego não foi brincadeira/ Por Madalena nego quis se matar/ No peito a chama, na mão a peixeira/ E uma tristeza a mais, dentro do olhar/ (...) é um batuque/ Cantou o lamento dos saramacás/ E guardou calmamente a peixeira no coração (...). Também de Joãozinho e Val, “Mão de Couro” é um batuque arretado. Os sopros se juntam às peles dos tambores e criam um ritmo ardente.

Uma das belas canções do CD é “Meus Ventos” (Márcia Tauil e Simone Guimarães). Delicada, a melodia permite que percebamos com clareza toda a beleza da voz de Emília. Versos líricos, sobre arranjo enxuto, dão-lhe a chance de se revelar por inteiro. Meu Deus!

Como todas as cantoras nascidas no Amapá, Emília vive de cantar e voar feito o pássaro que se põe sobre as copas das árvores mais altas da floresta. Sua veia musical iguala em beleza o fruto que brota e amadurece nos galhos. Maturada, se faz consistente. Graças ao orvalho, sua pele reflete o tom de um povo criador. Brotada em meio ao mistério impenetrável da Amazônia, seu canto é o sumo nascido do ventre de um feitiço que percorre a floresta.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4