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Fazendo Eco


Entre os temas caros a Eco estava a sobrevivência do livro em seu formato mais tradicional. Louvando as infinitas possibilidades de informação e imagens que os computadores oferecem aos usuários, ele previa que o papel seria mantido como principal veículo de mensagens, superando diversas formas de armazenamento que se tornaram obsoletas em menos de vinte anos de uso, entre elas os disquetes. Umberto Eco viveu numa época em que o raciocínio se construía. Era capaz de desdenhar dos que apontavam perigos de traumatizar crianças com a leitura de Harry Potter, lembrando que adultos não temem ataques de bruxas com maçãs envenenadas, e discorrer sobre a genialidade de Jules Verne, não apenas pelas projeções científicas do autor francês, mas por seu estilo e ironia – ao que eu acrescentaria a criação de personagens calcados nos clichês, mas que permanecem na cultura geral, como Phileas Fogg, o cavalheiro inglês solteirão excêntrico, protagonista de A volta ao mundo em 80 dias (Zahar, R$ 49,90).

Eco confessava que não gostou de O apanhador do campo de centeio (Editora do Autor, R$ 60), justificando que só foi ler dez anos depois do lançamento do romance cuja linguagem era inédita uma década antes. A oralidade juvenil utilizada por Salinger acabou se tornando de domínio público, o que levou Eco a perder “o momento certo” para descobrir uma obra antes que ela se tornasse mais famosa que sua própria narrativa. Com um título retirado da linha inicial do Canto VII da Divina Comédia, as crônicas selecionadas em Pape Satan Aleppe – o significado deste chamamento é alvo de interpretações de especialistas, pois o próprio Dante jamais o explicou – servem como uma navegação na Internet para o leitor. Assuntos variados levam a diferentes informações. Umberto Eco, além de crítico bem-humorado das transformações do mundo, talvez tenha sido dos últimos homens a exercitarem o pensamento analítico sem limitar-se a um campo específico. Contraditório, defendia a utilidade dos hackers para a ordem mundial, enquanto condenava firmemente um sistema educacional que privilegia o mau aluno, contando o caso de um estudante reprovado que teve sua ascensão ao seguinte nível escolar por intervenção da Justiça, à qual os pais do garoto recorreram “em vez de dar uns bons pescoções no vagabundo”.

Poucos escritores além do italiano, que deixou o planeta em fevereiro de 2016, conseguiram  inebriar o leitor, falando de Twitter, caligrafia, dos templários, movimentos migratórios, cinema, pornografia, reality shows e a vida plugada sem saudosismos de épocas que só parecem menos violentas para quem não as conheceu.   Ler Eco é torcer pelo surgimento de novos pensadores que busquem sentido no viver, sempre questionando os caminhos da humanidade.