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Histórias de uma moça bem-comportada


O principal tema de Jane Austen foi, a incessante busca das mulheres sem fortuna própria por um marido que lhes garantisse a sobrevivência, já que a lei determinava a entrega de bens a herdeiros do sexo masculino. Trabalhar, como faziam as serviçais, era impensável naqueles tempos. Incensada a ícone feminista, Austen transcende uma causa que só engatinharia mais de um século depois. Suas protagonistas oscilam entre a ingenuidade absoluta e a determinação em manter-se fiel a princípios de dignidade, mas nenhuma assume o papel social masculino, administrando negócios. O romantismo jamais é banal numa sociedade de moças sonhadoras, contrabalançado com imenso senso prático. Em Orgulho e Preconceito, a melhor amiga de Elizabeth Bennet decide se casar com o primo da mocinha, que o rejeitou, mesmo pondo em risco a saúde financeira da família inteira. O insuportável herdeiro significa tranquilidade para a moça pobre, que reconhece sua falta de beleza e charme para atrair um bom partido. Jane Austen confirmaria a tese levantada por uma de suas admiradoras, a romancista canadense Margareth Atwood, de que o dinheiro é a mola mestra da trama literária, mais importante nos enredos do que o amor.


O sarcasmo para apontar as desigualdades é outra marca da escritora, que repetidamente apresenta a falta de vocação de muitos dos homens daquela categoria social engessada por convenções, na qual abraçar o clero ou a carreira militar era uma das maneiras de escapar da penúria. Livram-se desta sina os fidalgos rudes, como Mr. Darcy, de O&P, que compensa a falta de charme com a integridade de seu caráter. Outras histórias de Jane Austen trazem príncipes encantados solteirões, que carregam uma razoável fortuna, e que estão em busca de uma mulher para se casar. O escritor Martin Amis lembrava, no início da Austenmania, que, excetuando a personagem título de Emma, as heroínas de Jane Austen não têm “um tostão, nem perspectiva segura além de uma confortável solteirice”. Os mocinhos estão às voltas com alguma vilã – calculista, herdeira ou sedutora, enquanto a protagonista será tentada por um vigarista charmoso, que não vale nada. A repetição do enredo, no entanto, não empobrece cada trama, repleta de canalhas simpaticíssimos, mocinhas em busca de atenção de seu meio, mães preocupadas com o futuro das filhas solteiras, pais nervosos diante de uma família de adultos que não têm renda própria. Há alguns casos amorosos proibidos ou reprováveis. E nem sempre os enlaces dos apaixonados significarão a felicidade perene.


Para alegria das editoras, Jane Austen rende até sequências de fãs ilustres, como a novelista P.D.James, que reuniu as irmãs Bennet para solucionar um crime em Morte em Pemberley (Companhia das Letras, R$ 52,90), onde, já casada com Mr. Darcy, Elizabeth acolhe sua irmã Lydia, agora viúva do cafajeste assassinado George Wickham. Melhor que ler fanfic de griffe é entrar no universo de Austen pelas requintadas reedições como a caixa recém-lançada pela Nova Fronteira com Razão e Sensibilidade, Emma, Orgulho e Preconceito (R$ 102,90), traduzidas por Lúcio Cardoso e Ivo Barroso. Ou a edição comentada de Persuasão (Zahar, R$ 69,90), dos Clássicos Zahar, que inclui a pouco conhecida e deliciosa novela Lady Susan.