Loading...

Janelas abertas à criação


“Conversa de Matuto” (André Marques, uma de suas sete músicas no álbum) é um baiãozinho esperto que começa com o piano em destaque. Sua sonoridade lembra concepções harmônicas e melódicas características de Egberto Gismonti. Sonzaço! A bateria leva o ritmo na caixa. O baixo se achega e mostra a cara. Logo o piano e o baixo desenham a melodia em contrapontos. A divisão rítmica dá uma quebrada. Enquanto o piano improvisa, o baixo segue desenhando a melodia. A bateria embalança. O piano retoma o desenho melódico. Obstinado, o baixo torna a se juntar ao piano. Juntos, recriam contrapontos. Enquanto o piano trisca as notas em acordes, o baixo improvisa. A seguir, o piano volta a solar. A bateria segue firme e forte. Graças a tal sustentação, piano e baixo podem endoidar, e, de fato, assim é. A cadência do baião volta a se fazer totalmente presente... Meu Deus!   

Em “Da Janela” (Cleber Almeida, uma de suas duas composições no CD), enquanto a bateria cria o clima rítmico, o piano elétrico inicia com acordes repetidos – impossível dissociar o som que se ouve daquele que caracteriza João Donato. Ótimo! O baixo vem e se encarrega de tocar a melodia. Com a mesma levada da introdução, piano elétrico e bateria o acompanham. Mais alguns compassos e a melodia passa a ser defendida pelo piano elétrico. Na sequência, uma virada de bateria propicia o deslanchar do samba. Apoiado por baixo e bateria, o piano improvisa. O suingue cresce, incluindo vocalise do autor do tema. Baixo e piano passam a dividir o improviso. Cleber volta a vocalizar. Durante um bom número de compassos o baixo improvisa sob a proteção do piano e da bateria. Uma virada da bateria finaliza a faixa. É o Curupira quebrando tudo. Show!

“No Depois” (Fábio Gouvea, uma de suas três músicas no disco) tem introdução tocada suavemente pelo violão. Com harmonia requintada, lembrando as de Guinga, o som acústico do violão é enriquecido pela indefectível batida do bumbo leguero. Chega a flauta e sola. O leguero segue firme, enquanto o violão segura a harmonia e a flauta (que belo som!), a melodia. Tudo envolto em alta qualidade.

A possiblidade de variações na formação instrumental e a versatilidade do Curupira, tocando samba, maracatu, coco, baião e frevo, fazem de Janela um CD de referência para melhor conhecermos a incrível diversidade da música brasileira.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4