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Kabelo, o funkeiro viciado em esperança


Kabelo não é fraco, não. O som é sujo, a letra é partida; é levada batida, é voz arranhada. Kabelo é a ranhura traçada a unha, realçada a seco. Libido acima; libertino vivaz; escrachado a mil; safado, moleque excitado, incontido. Mal-estar à primeira vista. Liberto de fórmulas: funkeiro libertário, cantor despretensioso, instrumentista longe da exuberância. Irresponsavelmente debochado, calculadamente desregrado, fatalmente contagiante.Kabelo está na praça com Kabelo, seu primeiro disco lançado pela gravadora Circuito Musical. Se liga aí, maluco! O cara está no ringue. E o tal de Kabelo, primata hi-tech, veio para cobrir de idéias os carecas de não terem a menor noção do que se passa a um palmo do nariz. Ele veio para confundir e diz: "Veja além da tua janela/ E perceberá que o caminhar é mais que o destino/ Eu sou você velho, eu sou teu avô/ Veja além do raio (...)". Kabelo chegou para atiçar sentidos e sentimentos. Uns o adorarão, outros o idolatrarão, indiferentes poucos ficarão. Kabelo não é fraco, não. Mistura do caranguejo do mangue com o mano da periferia de São Paulo e com o brother das favelas cariocas. Repentista do esculacho. Menestrel do estapafúrdio. Cronista do dia-a-dia quase desconhecido de uma multidão majoritária que nem desconfia de sua existência. Liquidificador de sonoridades: capoeira e funk; berimbau e guitarra distorcida; bateria ensandecida, baixo alucinado.Kabelo, branquelo matusquelo. Baixista e vocalista cheio de elos que abraçam a estética poética do surpreendente. Nada impede sua voz de cantar as palavras que espantam: ora por se sujeitarem a ter pouco ou nenhum significado, ora a sustentarem imagens poderosamente assombrosas.Kabelo foi produzido por Edson X, que igualmente toca bateria e faz vocal. Tem também os vocais, as guitarras e os violões de Leandro Gomes e o piano de Henio Fuke. Mas o negócio de todos eles é tirar onda com sons vários e inusitados. Com exceção de "Papagaio de Pirata", que é de Alceu Valença, todas as músicas de Kabelo são de Kabelo. Algumas ele divide com parceiros, mas são todas Kabelo.Sucesso e Kabelo estão tão próximos quanto distantes poderiam estar um do outro. Consagração esfuziante, fogo de palha, vôo de galinha? Juntador de multidões - que se espremerão feito sardinha em lata a pular aloucadas à frente de uma figura que cresce vertiginosamente quando em cima de um palco - ou apenas mais um a soar estranho e a cantar coisas sem sentido para um pequeno grupo de adeptos e familiares? Mas a música que ele faz, toca e canta não tem tempo de encontrar meio termo. E assim, Kabelo está mais para tudo ou nada do que para todavias e entretantos.Kabel é ainda uma aposta. Talvez nem grave um segundo CD. Ou talvez chegue ao segundo, ao terceiro, ao quarto, ao décimo-quinto... Pode ser que seja mais um artista a ser reconhecido e admirado apenas nos guetos que o idolatrarão. Ou, logo, logo, ele poderá ocupar o coração, a mente e a garganta da juventude que o alçará à condição de representante daquilo que tanto carece ouvir. E Kabelo está pronto para isso.Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4 e autor de O Gogó de Aquiles, ed. A Girafa. Seus textos são publicados semanalmente no Acontece na  no Diário do Comércio (ACSP), Meio Norte (Teresina), A Gazeta (Cuiabá), Jornal da Cidade (Poços de Caldas) e Brazilian Voice (EUA). No rádio, sempre às segundas-feiras, das 15h às 16h, "O Gogo de Aquiles" vai muito bem, obrigado. Você poderá escutá-lo (no Rio de Janeiro) sintonizando diretamente na Rádio Roquete Pinto, ou (fora do Rio) na internet: www.fm94.rj.gov.br .