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Leituras soturnas para um inverno tropical


 

Porque uma trama policial exige, apenas, atenção. Não existem ensinamentos – exceto de que o crime não compensa, claro -, nem estilos rebuscados ou narrativas inovadoras. Sobram almas atormentadas, sentimentos confusos, mistérios, dores, cobiça, paixões. E é muito difícil não ser instigado a procurar o culpado pelo crime/crimes.

História policial é antes de tudo, clima. Ou mergulhamos no charme de idílicas épocas passadas, numa Inglaterra onde, aparentemente, a luta de classes era ofuscada pelo momento de tomar chá, nos romances de Agatha Christie, ou entramos no universo da pancadaria dos investigadores particulares norte-americanos, que, certamente, até o fim do livro, vão desmaiar, sangrar, atirar e, eventualmente, matar o assassino.

Já os agentes da lei se comportam de acordo com o clima de onde vivem. Os escandinavos, que entraram na moda há cerca de quinze anos, trabalham sem grande alarde, mesmo diante de crimes pavorosos.Os britânicos observam as mudanças de uma sociedade agora multicultural. Os franceses, atualmente, refletem sobre a integração com os imigrantes. Isso porque é no romance policial que a literatura registra o que acontece, diariamente, no mundo real, entre guerras, vícios, cobiça e amores.

Desprezado enquanto gênero literário pelos acadêmicos, mas vício confesso de grandes escritores que jamais se dedicaram ao policial e até de intelectuais que se aventuraram no mundo do mistério, como Umberto Eco, a verdade é que as histórias de suspense encantam a humanidade desde que Caim matou Abel. A cada semana, para a alegria dos leitores, chegam novos títulos às livrarias.

Galveston (Intrínseca, R$ 29,90), do roteirista de televisão Nic Pizzolato, autor da série True Detective, segue a fórmula da inversão da ordem. O protagonista é um assassino de aluguel, profissionalíssimo, que descobre ter um câncer em fase terminal. 

Decidido a não abreviar seus últimos tempos no planeta, ele reage quando tentam matá-lo e ainda demonstra seu bom coração, ajudando uma jovem e uma criança em perigo. Narrativa ágil e seca como um roteiro de telefilme.

O Sol é para todos (José Olympio, R$ 45 ) deu à Harper Lee um Pulitzer em 1961 e ganhou uma conhecida adaptação para o cinema, com Gregory Peck na pele do advogado Atticus Finch, que defende um negro acusado de estuprar uma branca, no Alabama. Se não é essencialmente uma novela policial, o romance usa a investigação do crime para mostrar o preconceito racial numa sociedade refratária a mudanças. E obedece a um dos mais populares subgêneros do policial: a história de tribunal, cujo melhor texto, talvez, seja a peça de Agatha Christie  Testemunha de Acusação (LP&M, R$ 20), que trata do processo contra Leonard Vole, indiciado pelo assassinato de sua amante, e que depende do depoimento de sua própria mulher para ser inocentado.

Nas tardes escuras do inverno tropical da minha infância, Agatha Christie foi minha grande companheira. A escritora mais vendida/traduzida do mundo não chega a ser uma unanimidade. Há quem aponte previsibilidade em suas tramas, abrindo exceções a algumas, entre elas o macabro Caso dos dez negrinhos (Editora Globo, R$ 12, em sebos), um precursor de outro gênero cinematográfico: o filme em que um grupo de convidados é isolado numa ilha e um psicopata tenta matar a todos. Os personagens criados pela grande Dama do Crime permanecem populares, a ponto de seus herdeiros terem chamado a escritora Sophie Hannah para criar novas aventuras do detetive Hercule Poirot. Além de poeta e romancista, Hannah já havia demonstrado ter fôlego próprio em suspenses como A vítima perfeita (Rocco, R$  39,90), uma trama intrincada em que amores clandestinos se misturam a voyeurismo, sequestros e  estupros. De arrepiar.