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Letras carnavalescas


Muita gente aproveita feriadão para botar leitura em dia. Leitor regular nunca está em dia com leituras, vive no atraso, já que abriu um bocado de livros, leu três páginas e o trocou por outro recém-chegados às mãos. Leitor contumaz é assim, inconstante, deixa um velho amor pela nova paixão. Às vésperas do maior feriado destes trópicos, tanto quem não liga para a folia quanto os que precisam se recuperar entre um bloco e outro podem se enroscar em alguma rede para ler um pouquinho.


Da pilha dos tsundokus, aqueles livros folheados, iniciados e deixados de lado para uma oportunidade mais adequada à fruição, recuperar o fôlego e retomar A bastarda (Bazar do Tempo, R$ 73) pode ocupar mais do que um Carnaval. As memórias romanceadas da francesa Violette Leduc são predecessoras da onda de autoficção tão em voga atualmente. Boa parte de sua obra se enfatizou os amores por homens e mulheres, além de sua baixa autoestima, gerada pela condição de filha não reconhecida de um homem rico. As recordações da infância e juventude são narradas em tom exuberante, ousado a ponto de ter livros censurados pelas descrições realistas de suas relações com a primeira namorada – a inspetora do internato onde estudava. A insegurança cultural e física – faz questão de salientar que jamais foi bonita – não impediram o sucesso como jornalista, profissão que exerceu paralelamente à literatura, incentivada por Simone de Beauvoir, uma de suas paixões não correspondidas. O desabafo arrebatador e atordoante se estende por 500 páginas, emoldurado pela história que se desenrola a seu lado – uma família de vizinhos judeus presos pelos nazistas, a indústria da moda dirigida à população rica que não se abala durante a ocupação alemã da França, os intelectuais com quem conviveu.


O oceano no fim do caminho (Intrínseca, R$ 91), lançado em 2013 pelo inglês Neil Gaiman, ganhou uma edição ilustrada em capa dura belíssima. Celebrado por suas histórias de fantasia para o público infanto-juvenil, Gaiman é daqueles escritores cujas histórias agradam a qualquer faixa etária, pois sabe, como poucos, manter o leitor hipnotizado pela trama. Um homem volta ao povoado onde passou a infância, no interior da Inglaterra, e se recorda das estranhas situações sobrenaturais enfrentadas por sua família. Salvo pela proteção de três mulheres da vizinhança, ele se senta à beira de um lago que sua amiga, uma menina de onze anos, com conhecimento e poderes mágicos, chamava de ‘oceano’.


Um velho jornalista como tantos que conheci: diversos casamentos fracassados nas costas, subempregado tendo como único patrimônio as lembranças de uma carreira bem-sucedida, vivendo da caridade dos amigos. Esse é o protagonista de Chuva de papel (Companhia das Letras, R$ 40), de Martha Batalha, que, mais uma vez tem o Rio de Janeiro quase como um personagem. É na megalópole agitada, em constante transformação, que Joel, o repórter policial de 70 anos, circula, em fuga de seu perene desassossego. Recuperando-se de uma tentativa de suicídio na casa da tia de um colega, ele se refugia na esperança de escrever uma última boa história como antídoto contra a solidão e as dívidas financeiras que só faz acumular. Mais uma impecável crônica sobre a cidade que sempre acaba por superar sua melancólica decadência, apoiando-se no afeto, exatamente como Joel.


Este Carnaval não será igual ao que passou.


Que seja melhor ainda!!!


Evoé, Momo!