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Luhli volta a brilhar


Luhli escolheu o recolhimento em Lumiar, pequenina vila perto de Nova Friburgo, cidade serrana do Estado do Rio. Com intensa participação junto à comunidade, Luhli oferece desde uma oficina para construir tambores artesanais até atividades para lá despertar a consciência ecológica.

Depois de sete anos afastada da carreira musical, decidiu gravar Música Nova (independente, com apoio cultural de Márcia Szklarowsky), um CD inteiramente seu. E foi em Lumiar que ela reuniu um pequeno grupo de instrumentistas para registrar as canções que brotaram em seu coração.

As composições escolhidas (seis somente dela, duas com Lucina, uma com Leo Nogueira e Dhenni Santos, quatro com Alexandre Lemos e uma com João Gomes) têm uma força tal que faz o ouvinte ficar dividido entre considerá-la uma poetisa alucinada ou uma dama divinal; uma tradutora de dores lancinantes ou uma artesã que tem o dom de construir obras de arte.

Luhli concebeu seu CD como um testamento. Quem quiser saber dela, vá ao álbum. Cenas de uma vida que de mansa nunca teve nada, diretora e produtora musical de seu CD, ela cuidou para que os arranjos coincidissem exatamente como ela os sentia para sua música.

As faixas iniciais me arrebataram. Não que as outras tenham sons musicais e imagens poéticas de menor valor; não, pelo contrário, mas talvez, sei lá, por se tratar do meu primeiro contato com Luhli depois de anos sem dela ter notícia.

O início é de uma enorme sofisticação poética e musical: “Novos Horizontes” (Luhli, Leo Nogueira e Dhenni Santos). O piano (Léo de Freitas) toca acordes. Vem Luhli e se dá ao canto. O piano segue como fiel companhia da intérprete. Dehnni Santos chega para também cantar. Sua voz é poderosa, assim como firme é a voz de Luhli, ainda que às vezes ela soe exaurida pela emoção – esta sim, forte em cada nota de cada sílaba.

“Tiete e Diva” (Luhli). O violão de Luhli e o clarinete de Marcelo Bernardes emolduram palavras confeccionais:Poeta e louca, sou tiete e diva/ Pago meu preço por ser excessiva/ Mesmo caótica, fico feliz de estar viva.

“Saudade das Estrelas” (Luhli e Alexandre Lemos) inicia com um tambor (Flávia Torga) e sons de taças de cristal, manuseadas por Luhli. Uma guitarra distorcida (Daniel Drummond) se junta ao som. Luhli, intensa, canta a letra épica, com pegada pop.

Equilibrista a balançar-se sobre o fio da navalha, Luhli traz em si a utopia de desvendar o sentido da existência. Mulher que sabe do trágico e o vê com olhos de esperança. Senhora de seu destino, envolta em palavras, recua e avança. Nua diante da música, entre o gole que embriaga e a tragada que desliga, abraça a vida que rola entre o passado e o futuro.


Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4