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Luzes da cidade (Em memória de Aldir Blanc)

desenho: Amorim


A florista cega oferecia suas rosas e entornava cerveja meio morna no Bar da Maria.


O poeta comprou uma, das mais vermelhas, e deu de presente à cozinheira.


Enquanto isso, Charlie Chaplin buscava um plano inclinado entre as mesas do Bar Bip Bip.

Um casal se estapeava romanticamente no Bar e Restaurante Nova Capela, ao som de Smile.

Ele e ela, rasgando a fantasia e queimando nas cinzas da quarta-feira, embora não fosse mais Carnaval.


Talvez nunca mais fosse Carnaval.


Um santo meio sátiro, de nome Mello Menezes, artista plástico e acrobata, cochilava numa esteira; o pândego e poeta Paulo Emílio fazia um peixe com cebolas e azeitonas, nadando no azeite de oliva, temperado com lágrimas.


Charlie gritava:


"Não corta, estúpidos, não corta!"


Os fregueses morriam de rir.


Um garoto com olhos de bola de gude, enganchado nos ombros de Carlitos, quebrava vidraças na Rua dos Artistas. Depois se escondia no quintal de um tempo onde a lua ainda se equilibrava em caixas d'água. E o sol, bêbado e afogado naquele vale de lágrimas, era salvo pela claquete de má reputação.


Ontem mergulhei na Baía de Guanabara para rever uns amigos em Paquetá, onde o poeta nadava de braçadas. Encontrei a florista na barca e contei que ele não compraria mais suas rosas. Ela não fez qualquer drama. Apenas descansou a cesta de flores no colo e deu mais um gole no conhaque que trazia na bolsa. Confessou que, na verdade, se chamava Virgínia Cherrill (Jandira da Gandaia fora invenção dele).


Fiquei esperando alguma reação de impacto, pois ando mal acostumado. A florista só enxugou a lágrima discreta na manga do casaco puído e pediu que apagassem as luzes.


(Luís Pimentel)