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Malandro é o Gato


Gato com Fome, sim, mas de chapéu panamá, terno de linho branco, gravata e sapato cor de leite. Repertório coisa fina. Sambas que suingam assanhados, cantados com graça, fazendo pirraça, fingindo inocência só para tirar o sossego do lugar comum.Uníssono afinado, às vezes abrindo vocalizações – coisa simples, mas funcional. Sambistas cheios de mumunha e picardia, bons cantores. Álbum bem cuidado, que acerta ao distinguir o samba paulista e resulta em ótimas escolhas, cujos arranjos (onze de Milton Mori e dois de Luizinho Sete Cordas) se valem de competentes naipes de sopros (clarinete, trombone, trompete, saxofone, flauta e tuba) e de cordas (dois violinos, viola e violoncelo) para valorizar as músicas escolhidas.Percussão, cavaco, violão de seis, de sete e trompete iniciam a segunda faixa, “Não É Mais Aquela” (Cadu Ribeiro e Edu Batata). Ao convidar Oswaldinho da Cuíca para participar da faixa, os moços demonstram confiança no taco, no que fazem muito bem, e, de cara, preparam o ouvinte para o que virá na sequência: sambas bem harmonizados, com letras bem-humoradas, instrumentação rica e interpretação segura.Com vocalização à la Demônios da Garoa, tem início “Não Manche Meu Panamá” (Alcebíades Nogueira); com introdução de cordas, “Clarice”, samba lento de Canarinho, que faz participação especial, desfila letra cheia de irreverência; “Onde Anda Iolanda” é samba sacudido de Rolando Boldrin, que forma um quarteto vocal com o Gato. Facilitado pela firmeza da percussão, o balanço é quente. Para encerrar, a comovedora marcha-rancho “Vila Esperança”, de Adoniran Barbosa e Marcos Cesar. A tuba bem tocada por Popô se destaca em meio à sensação de estarmos em um corso. Finda a audição, repenso a faixa que abre o CD, o manjado, embora genial, samba de Monsueto e Ayrton Amorim “Me Deixe em Paz”... Ora, diante de tão belas músicas, inéditas ou pouco conhecidas, ela soa deslocada, e, por isso, dispensável. Mas nada que embarace o acerto de tudo o que vem a seguir.Pedindo licença à imprensa escrita, falada e televisada, lá vai o Gato – malandro é ele que escapou de virar couro de tamborim (“Ô sorte”, diria Wilson das Neves, o mestre da bateria). Lá vai o Gato – malandro é ele que come peixe sem precisar ir à praia. Cheio de chinfra, lá vai o Gato, dando nó em novelo de lã de madame, vivendo sua irreverência. Vivaldino e arteiro, faminto por música, lá vai ele a viver a primeira de suas vidas. Reverente ao som do Trio Gato com Fome, aplaudo-o em sua ginga malemolente.Sete vidas ao Gato.Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4PS. Perdemos o grande cantor Jorge Goulart. Que ele descanse em paz.