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Mart’nália do Brasil


Menino do Rio é fruto de uma sucessão de acertos – desde a proximidade de Mart’nália com Maria Bethânia até a escolha do maestro Jaime Alem, da artista baiana, para a artista carioca chamar de seu. Tem ainda a criatividade na escolha de um repertório que transparecesse todo o potencial que Mart’nália carrega na alma, na garganta e no jeitão de intérprete que percorre os salões, as quadras e os quintais, do subúrbio à Zona Sul do Rio.Jaime Alem foi fundamental para o resultado do trabalho. Seus arranjos, mais do que elaborar climas e levadas, desfrutar dos melhores instrumentistas (Jorge Helder no baixo, Marcelinho Moreira no surdo e Carlinhos Sete Cordas, por exemplo, dentre outros, dão aulas) e buscar harmonias adequadas, servem de roupagem para a imensa personalidade musical que Mart’nália derrama pelos poros.O CD abre com o que seria um grupo de ritmistas afinando seus instrumentos. Ao longe, o agogô soa feito sino chamando fiéis à missa; ouve-se o ruído do enroscar do parafuso que aperta a pele do surdo; o tamborim fraseia; o apito ecoa, como que alertando que o samba tem hora para começar; entra o repique de mão... Mart’nália canta: “O samba corre nas minhas veias...” (“Pra Mart’nália”, de Fred Camacho e Jorge Agrião). Percebe-se que ela tem orgulho do jeito de cantar do pai: as silabas escorregando, o cantar sorrindo, curtindo as notas que lhes saem das entranhas. Com “Nas Águas de Amaralina” (Martinho da Vila e Nelson Rufino), ela nos dá mostras do que é capaz. Sua voz começa só com o violão, até que entra seu povo da bateria da Vila Isabel e traz ainda mais força ao canto do coro, basicamente feminino.E aí vêm outros sambas, certo? Errado. Vem Guilherme Arantes (“Só Deus É Quem Sabe”), “Menino do Rio” (Caetano Veloso) e “Estácio, Holly Estácio” (Luiz Melodia). Começa o renovado show da intérprete Mart’nália. A sua voz grave, quente, profunda, demonstra que, se o samba é sua praia, o romantismo de canções brandas é seu mar. Amorosidade à flor da pele, as palavras lhes vêm suaves, calorosas.  E o CD continua como se estivesse misturando e dividindo músicas em núcleos temáticos. Como já ocorrera nas três músicas que abriram o álbum, às vezes o mundo dos grandes sambas parece dar as cartas, ora com Arlindo Cruz, Acyr Marques e Ronaldinho (“Boto Meu Povo na Rua”), ora com Monsueto e Flora Matos (“Casa 1 da Vila”), ora com Roque Ferreira e Jorge Agrião (“Casa da Minha Comadre”). Noutros momentos, é o universo pop que parece comandar. E é nestes dois mundos que Mart’nália se mostra como compositora. “Sem Perdão a Vida É Triste Solidão”, é samba dela, em parceria com Ana Costa e Zélia Duncan; já “Pretinhosidade”, outro samba, foi feito em parceria com Mombaça. Ela e Moska fizeram “Essa Mania”, numa agradável levada pop, igual à usada por ela e Paulinho Black para compor “Pára Comigo”. Nas duas, a intérprete Mart’nália dá um baile.Outros bons momentos de Menino do Rio se dão quando ela interpreta “Soneto do Teu Corpo”, música inspirada de Moska e Leoni, e “São Sebastião” (Totonho Villeroy), que traz Mart’nália interpretorando por melhores dias para o Rio de Janeiro e Maria Bethânia recitando, com a categoria que Deus lhe deu, um trecho do poema de Vinícius de Moraes “Cartão Postal”.Mart’nália já é uma carioca querida pelo seu Rio. Mas ela tem talento e competência para crescer e se tornar a Mart’nália do Brasil. Basta seguir em frente, aprimorando o talento que os Ferreira e Deus lhes deram.Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4, é produtor e apresentador do programa O Gogó de Aquiles, apresentado na Rádio Roquete Pinto FM do Rio de Janeiro.