Moreira e Nogueira
Pensei num encontro, no mesmo cenário, entre os cantores e compositores brasileiros e cariocas Moreira da Silva e João Nogueira, mortos no mesmo mês e ano (junho de 2000), com apenas 24 horas de diferença: Nogueira no dia 5; Moreira no dia seguinte. – João! Estás aqui? – Desde ontem, Morengueira! Pensando se entro ou não. Por favor... – Que é isso? Os bambas primeiro. – Primeiro os mais velhos. – Convenhamos, João: esse não é o melhor lugar para um encontro. Isto não é palco para dois artistas da nossa envergadura. – Até que o público não é dos piores. Parece silencioso. – Eu não esperava encontrá-lo aqui. Justo você, nó na madeira... – E você, meu velho? A última vez que o vi estavas vendendo saúde. – Vendi tanto que acabou o estoque. Vamos fazer um samba sobre o tema? Olha o breque! – Cuidado, Moreira! Tem algum instrumento aí? – Nem adiantaria. Olha lá a plaquinha no quadro de aviso: proibido cantoria e instrumento de percussão. Como será que o Wilson, o Geraldo, o Ataulfo, o Cavaquinho e o Cartola estão se virando? – Já, já vamos saber, quando encontramos com eles. Mas o que o trouxe aqui, Morengueira? Onde foi que deu defeito? – Perda total. Conjunto da obra. Falência múltipla dos órgãos. E o grande malandro do Méier, que jamais deu bola pro azar, falhou em quê? – Coração, Morengueira. Coração. – Sempre falha. Por isto que jamais confiei nesse músculo. É traiçoeiro. – O amigo trouxe na bagagem alguma saudade específica? – Só da malandragem, como no samba do Ismael. – Essa não existe mais, Morengueira. Como no samba do Chico, tudo malandro regular, profissional. – Me refiro aos malandros do meu tempo, Nogueira. Do meu tempo. – Não esquente. Esses estão todos aqui. Nos esperando. Vamos em frente que a fila precisa andar.