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Nascidos um para o outro


Apesar de lidar com as palavras de forma íntima, em outros discos ela sempre fez questão de ter ao seu lado poetas de ofício, como ArrudA e Alice Ruiz, mestres na arte da concisão verbal com os quais gravou álbuns de alta qualidade musical e poética. Agora nos chega amparada em outro poeta, Itamar Assumpção. Por si só, essa dupla ao se reencontrar atiça a curiosidade de quem tem nas mãos o CD O Que Vim Fazer Aqui (Traquitana Discos, com apoio do ProAC).

O repertório do CD é um primor. São sete parcerias de Alzira com Itamar, sendo duas delas inéditas – “Norte” e “Chuva no Deserto”; uma canção dos dois com Alice Ruiz; uma de Alzira com Iara Rennó; e outras duas de Itamar com Alice Ruiz. Show.

Alzira canta como uma atriz, e, assim sendo, suas músicas são como monólogos de provocante poesia contemporânea.

“Norte” abre o disco. O violão toca a introdução. Logo a voz de Alzira traz o canto. Para acompanhá-la tem violoncelo (Peri Pane) e tem guitarra (Gustavo Cabelo); tem baixo (Marcelo Dworecki), tem viola de arco (Paula Pi) e violão de aço (Lucinha Turnbull). Os versos de Itamar alardeiam: Viajo pro sul deixando o oeste/ Lá quando chegar/ deixo meu frete/ Isso quer dizer que meu norte é este (...) A cada dia o sol nasce/ Morre e nasce/ Morrenasce.

“Chuva no Deserto” começa com o violão de Peri Pane. O baixo e a guitarra desenham. Alzira sola; sua voz dá aos versos a entonação precisa. O instrumental vibra de forma dissonante. É a senha para Peri Pane fazer duo vocal com Alzira, quase recitando os versos. Sabor de um Itamar de ontem, encontrando o apimento forte de Alzira E.

“Itamar É”(Alzira e Itamar Assumpção) é a mescla de música regional sul-mato-grossense com o pop paulistano: És firme feito rocha/ Fino como moça/ Clareia como tocha (...) Já foste nego dito/ Ecoa ainda teu grito/ E dele se fez mito. Bom demais da conta.

O instrumental do CD, que teve produção musical de Marcelo Dworecki e Cris Scabello, tem como marca registrada arranjos coletivos, o pequeno número de músicos arregimentados e o uso primoroso das cordas vocais e instrumentais: estas se somam para dar às músicas o ar de concisão que as norteia. Além disso, chama atenção o fato de não haver bateria nem percussão... O ritmo floresce das palavras, dos acordes e do canto de Alzira E.

Desde os anos 1990, Itamar e Alzira são gêmeos musicais univitelinos. Toda loucura de um encontra eco na do outro; o que nasceu para ser futuro em um, ressurge em forma de poesia no outro; ela é mar, ele, rio – nasceram um para o outro, o desaguar é tão natural como bela é a mistura do doce dela com o salgado dele. O norte de um é o mesmo da outra que está no sul.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4