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O a-e-i-o-u de dois corais: o Coro e Osso e o Vocálice


Disposto a um novo olhar para o canto coral, ele, um dos criadores da Associação Cultural Coro e Osso (produtora do álbum), que une o grupo Coro e Osso e o grupo Vocálice, optou por juntar estes dois corais ao percussionista Caito Marcondes. O resultado é densamente instigante. As vozes entoam sons tirados de vogais; ajuntam-se e se apartam; sobrepõem-se e se misturam; reforçam-se e se multiplicam. Fazem e refazem, espantam e encantam... E aí o “a” diz ao “u”: “Cadê o 'i'? Este, ao ouvir que é dele que falam, grita: “Estou aqui ao lado do 'o' e do 'e', venham também se juntar a nós e juntos seremos mais do que meras vogais, seremos vocais”. O CD começa com “Como Sempre. Como Nunca”. Ouve-se o vento soprar – claro sinal de que novos ares serão sacudidos pela brisa refrescante que empurrará para o lado aquilo que já se ouviu e revelará algo ainda não mostrado. Ao longo de quase 50 minutos, o ouvinte se depara com vocalizações que passeiam pelo tradicional, tangem a dissonância, refletem o conhecido e tocam no experimentalismo. Outro – Suíte Música Vogal é uma grande farra na qual se divertem 34 vocalistas: 20 mulheres e 14 homens. Catorze integram o Coro e Osso; 20, o Vocálice. Sob a batuta de Piquera, e com os sons de Caito, o canto soa bonito de se ouvir, causa arrepio, levanta as sobrancelhas. As vozes chegam àquela parte do cérebro que determina que devemos nos espelhar no que nos entra pelos ouvidos e nos impulsiona a, ao menos, tentar fazer algo com assemelhada ousadia. E não só musicalmente, mas vitalmente, amorosamente... Ou seja, reacende o que devemos ter como norte de vida.A suíte toda, aliás, poderia muito bem constar do álbum sem separações entre as faixas. Ao separá-las, como tradicionalmente se costuma fazer nos CDs, é como se lhes diminuísse a força que têm justamente por serem um conjunto indissolúvel. Ao individualizá-las, impõe-se ao ouvinte que as ouça como peças criadas para serem admiradas isoladamente. O que, após muitas audições, vê-se, é um erro de avaliação.  Da faixa seis (magnífica!) à faixa dez, como demonstrado graficamente na contracapa (estão destacadas), ouve-se bela seqüência com começo, meio e fim. Ao menos neste caso se poderia dispensar a pausa que a separa. Este núcleo, diga-se, é o que mais vocaliza a magia do trabalho elaborado pelo maestro Luiz Piquera, que tem a seu dispor vozes que se dão, à perfeição, às claras intenções de inovar o canto coral.A dinâmica de piano e pianíssimo é usada com maestria. As harmonias, inspiradas. A mudança de climas rítmicos revela-se um bom achado – palmas a Caito, pela leitura sensível do canto que sai pela boca dos 34 vocalistas. A mixagem, bem feita, dá ao ouvinte a noção exata do concebido para os coros e a percussão. Esta, por sua vez, se vale de instrumentos com couros afinados como notas a complementarem os acordes entoados pelos vocalistas. Enfim, o que Coro e Osso, Vocálice, Caito Marcondes e Luiz Piquera fazem é pura magia cantada e tocada. Se a suíte interpretada por eles é vogal, a percussão é consonante. Se o som saído das gargantas é vocal, o som das peles é com-soante. Tudo em afinada e libertária sonoridade. Se vozes e percussão ressoam sem amarras, resulta daí o encantamento que toma de assalto o feliz ouvinte de Outro – Suíte Música Vogal.Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4PS. Semana passada, mais lágrimas foram derramadas. Saudades de Toinho Alves, contrabaixista e coordenador musical do Quinteto Violado, e de Walter Souza, violonista e compositor.