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O bem-querer musical da gaúcha Josyane Melo


Assim como Hermeto nos ensinou: “E tudo era coisa musical/ Funil mandando ‘oi’/ Fogão gritando ‘au’ (...) E que até penico dá bom som/ Se a criação é mais/ Se o musico for bom”, o álbum de Josyane demonstra que a cantora percebeu a profundidade desses ensinamentos e caiu dentro, sem medo nem muito menos concessões fáceis. Origami teve produção a cargo da competência de Swami Jr., que dividiu a responsabilidade com a própria Josyane. Ele que é multi-instrumentista talentoso e também ótimo compositor, como demonstra o seu CD Outra Praia, lançado recentemente pela mesma Chita Discos e que conta com as participações de Zélia Duncan, Vanessa da Matta, Zeca Baleiro e Chico César, dentre outros. Além disso, a presença dos músicos Toninho Ferragutti e seu estupendo acordeom; Edmilson Capelupi e um mágico violão de 7 cordas; Guello e seus sons tirados de tudo o que produz ruído; Luciano Barros e um portentoso baixo elétrico; Danilo Moraes e seus violões de aço e tenor; o sax-tenor do grande Mané Silveira; Sizão Machado e o som incomum de seu baixo fretless; o piano tão competente quanto delicado de André Marques, dentre outros, são marcas cravadas a ferro e fogo na construção dos arranjos que movem Josyane Mello em direção à profundidade de seu ecletismo musical.E lá vem a moça subindo a ladeira. Josyane Melo saiu lá da ponta do Brasil, onde a cultura musical está plena de tradições, e refez o clássico “Negrinho do Pastoreio” (Barbosa Lessa). O arranjo traz o acordeom impecável de Ferragutti, num belo intermezzo e também em inspirado duo com o 7 cordas de Capelupi.E tem um samba amaxixado do gaúcho Lupicínio Rodrigues, em parceria com Caco Velho. O delicioso “Que Baixo”, levado na base de caixa de fósforos e pandeiro; de violão tenor e de solo de guitarra.E tem a pouca reconhecida, mas linda música de Gilberto Gil, “Cada Tempo Em Seu Lugar”. Mané Silveira dá banho com seu sax-tenor. Coube só a ele e a Capelupi, com seu violão de 7 cordas, levar adiante a linha melódica cheia de nuances feita por Gil.Aí chega a hora de “Chá de Panela”, samba arretado de Guinga e Aldir Blanc, uma homenagem a Hermeto Paschoal. O baixo elétrico, o violão e a percussão se viram para segurar a levada arisca composta por Guinga. A letra de Aldir é puro achado de palavras bem postas em cada sílaba musical. E tem Milton Nascimento e Fernando Brant, com “Notícias do Brasil”; tem Paulo Ro e Marcos Tavares, com “Sete Boleros Cardíacos”; tem os argentinos Antônio Tarrago Ros e Leon Gieco, com “Canción Para Carrito”, e tem também “Esquece”, um belo samba-canção de Jair Oliveira.Ela, que se sai bem em ritmos diversos e também em divisões complicadas, canta tudo com o talento de quem tem a experiência de crooner de orquestra. Josyane canta na Banda Glória, que anima bailes nas noites paulistanas, cuja escola abriu sua garganta, e bate um bolão em qualquer gênero musical que se anime a cantar.E chega a faixa 11, “Por Aí”, do ainda pouco conhecido Evandro Caperom, que encerra o CD. Ainda meio besta com o que acabara de ouvir, fiquei absorto por uns cinco minutos. Susto... Surge o som de uma voz masculina. Bela voz, mas que nem de longe lembra a doçura de Josyane – é Fred Mazzucchelli. Ele é diretor da Glória e vem cantando o seu sambão “Passarinho”, faixa bônus do álbum. Bela homenagem à banda que fez a cabeça da protagonista deste ótimo disco que é Origami. Cantando gêneros múltiplos, ela desafia os lugares-comuns que povoam as rádios e solta sua afinada voz, cujos belos agudos dão tonalidades carinhosas a qualquer melodia.Assim como a harmonia está para a melodia, o pranto está para a dor e a felicidade está para o sorriso, o ecletismo está para o repertório de Josyane Melo: voz dada à vida. Aquiles Rique Reis é vocalista do MPB4