O canto amazônico de Simone Almeida

Nascido para viver o destino reservado aos que crescem bem no meio de uma imensa floresta, o fruto sonhou ser eterno. Preparou-se, então, com o afinco e a tenacidade dos que têm certeza de que para se sobressair há que se revelar perante os reis; enfeitiçar os que descrêem; contaminar, com seu sumo novo, o apreço desmedido que se concede apenas ao conhecido. A Amazônia Legal vive em ritmo desconhecido pelos que dele sabem só pelos jornais. A floresta cria seus filhos com valores outros que não aqueles que as televisões mostram aos que vivem longe da mata fechada. Por isso, só os que sentem seu cheiro, possuem seu aroma, vêem seu interior e tateiam suas árvores, têm a chave para abrir e penetrá-la.Nascida em Belém do Pará, Simone Almeida é o fruto nascido da musicalidade que ressoa da floresta. Seu canto carrega em si a densidade misteriosa que se desprende das copas e voa com a força dos ventos. Cantora da noite em Belém, ela gravou Quando Teu Amor Chegou Em Mim (independente, com patrocínio do Banco da Amazônia e apoio do Governo do Pará), que traz canções de compositores amazônicos e conta com um respeitável time de instrumentistas paraenses. Ao escutar as canções que Simone escolheu para gravar, percebe-se que ninguém que nasce e vive à beira da Amazônia escapa de ser como a floresta: especial. O disco tem 11 faixas, por meio das quais Simone imprime definitivamente sua marca de grande cantora. Fruto amadurecido e disposto a servir de força a quem o consumir, ela embeleza o canto de sua terra e de sua gente, e os leva além. E logo será aplaudida em todo Brasil, assim como já o são suas conterrâneas Fafá de Belém, Leila Pinheiro e Jane Duboc.Seus agudos são suaves; quando recorre ao falsete, o faz sem perder a afinação, característica de seu cantar. Se precisar, sua voz se faz ardente, ardida, para entoar canções que peçam interpretações assim. Suas divisões rítmicas são típicas daquelas que calejaram o canto na diversidade do repertório entoado nos bares da vida. Rico em tambores, o CD conta com as batidas de Márcio Jardim e Kleber Benigno – eles que, junto com Nazaco Costa, integram o Trio Manari. Cheio de ritmo, o álbum de Simone se apóia na bateria de Edvaldo Cavalcante e no contrabaixo de Adelbert Carneiro. Pleno em harmonias, Quando Teu Amor Chegou Em Mim tem Davi Amorim nos violões e nos teclados, Jacintho Kahwage no teclado e nos loops, Esdras de Souza nos sopros e Luiz Pardal no piano, no violino e no acordeom. Coletivo, o disco tem o grupo vocal Celebrei e um coro mirim.Mas os bons arranjos às vezes pecam por excesso de informação musical. E, por optar por um registro de som pleno de reverber, por momentos o teclado se torna invasivo. Nada que desmereça o trabalho.O repertório escolhido é de ótimo nível e quase todo composto por conterrâneos de Simone Almeida, como Nilson Chaves, Fernando Dako, Edmar da Rocha, Vital Lima, Nádia Mariano, Joãozinho Gomes, Marco André, Márcio Macedo, Walter Freitas e Jamil Damous. Mas há também música feita por amazônicos de coração, caso dos paulistanos Celso Viáfora e Marco Antonio Quinan, do cearense Eudes Fraga e do goiano Marcos Quinan. Todos inspirados pela força do ar amazônico que lhes mexe com a alma... Amazônico não é só quem nasce nessa região; é todo aquele que ali vai e o coração fica, mesmo quando o corpo se afasta.Simone Almeida tem uma floresta sonora a ampliar o seu cantar, que brota da alma que lhe vem à boca amazônica. Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4, é produtor e apresentador do programa O Gogó de Aquiles na Rádio Roquete Pinto FM do Rio de Janeiro, às segundas-feiras, das 15h às 16h: www.fm94.rj.gov.br