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O carioca de Feira de Santana


Toda vez que ouço Jackson do Pandeiro cantando sua parceria com Elias Soares, aquela que diz “Filomena, dê um jeito em Fedegoso, tá fanhoso parecendo uma taboca / Passou dois meses lá no Rio e veio embora, agora tá falando carioca”, me lembro de Belarmino.

Grande Belar!


Nosso herói (herói é assim, cada um pode eleger o seu) morava no bairro da Kalilândia, em Feira de Santana, e um dia decidiu que estava na hora de tentar a sorte no Rio de Janeiro. Um amigo disse que tinha um primo em Vaz Lobo e um concunhado na Rocinha, poderia fazer uma ponte para garantir o teto.


Belarmino não fez por menos:


– Ou o Leblon ou nada!


Gostava de um hit do Luis Reis, na voz de Miltinho, garantindo que “Quem é bom de samba lá no Leblon, senta-se à mesa e puxa o tom, e o samba sai no guardanapo...” É que o nosso amigo tinha projetos de virar compositor, guardava suas ideias para desenvolver quando tivesse clima. E em termos de clima propício o Rio dava show, especialmente com aqueles bares repletos de “intelectuais, poetas consagrados e escritores geniais”, como nos versos da canção.


Por isso, depois das vinte e oito horas e de quase mil e quinhentos quilômetros no lombo da Viação São Geraldo, Belarmino se instalou no apartamentinho que alugava quartos a rapazes solteiros nas imediações da Bartolomeu Mitre, no tão sonhado Leblon carioca. Dali era um pulo até o Bracarense, o Jobi, o Diagonal, a Pizzaria Guanabara, pontos sempre lotados de artistas, a praia, a boemia, mulheres capazes de inspirar qualquer criador.


Belar bateu muita perna pelas ruas do bairro, mostrou composições suas a uns e a outros, sem conseguir empolgar ninguém, até a esperança e o dinheiro economizados para a aventura acabarem e ele fazer o caminho de volta. O Rio e o Leblon renderam pouco em termos de experiência de vida, mas o nosso herói tinha facilidade para pegar sotaque alheio.


De volta a Feira de Santana, Belarmino ficou logo marcado por um jeitão dolente de fazer desfilar os verbos e um grunhido chiado de pronunciar certas sílabas, parecendo uma taboca. Ganhou logo o apelido pouco original de “Carioca” e viveu o resto dos seus dias nos bares da Kalilândia, da Queimadinha, nas imediações da Avenida Getúlio Vargas.


Entre uma cerveja (que ele pronunciava Ceeeerrrva) e outra, contava histórias vividas (ou inventadas) no que chamava de “metro quadrado mais musical do planeta” (o maix era assim, meio axizelado), o Leblon para quem é bom. A galera conterrânea ia ao delírio quando ele pronunciava expressões como “mermão”, “meeexmo”, “Mengô”, “Futibó”, “feixoada”, “Poxto Seix”, ethicetera.


– As historinhas – diziam os amigos – ninguém aguenta mais escutar. Mas o carioquês do Belarmino é impagável.

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