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O casamento do violeiro com a viola


Paulo Freire é escritor e violeiro. O moço proseia como quem toca moda na viola. Inventivos são seus causos. Bela é a viola, bem como a afinação usada pelo violeiro: “rio abaixo” – em sol maior. Louve-se a sua coragem de desprezar a superstição de que esta afinação é usada pelo coisa-ruim. Vixe!

A simplicidade da viola é apenas aparente. Seus ponteados são plenos de sonoridade nordestina. De uma brasilidade que vem do canto dos pássaros e das matas onde habitam os curupiras, que têm os pés voltados para trás, os lobisomens, que bebem sangue, e as mulas-sem-cabeça...

É, minha gente, o violeiro Paulo Freire combinou consigo mesmo que chegara a hora de, sozinho, mostrar sua intimidade com a viola, revelando a sua alucinada paixão pelo instrumento.

Valendo-se de seus conhecimentos musicais, que vão do violão à guitarra e ao violão erudito, empunhou a viola e pôs-se a matutar no que haveria de criar para sair num CD só dela e dele. Nasceu Pórva (selo Vai Ouvindo). Com nove temas instrumentais inéditos, bem como três regravações (todos de sua autoria), Freire mais uma vez demonstra ser um vibrante instrumentista e compositor.

Para gravar este que é seu décimo primeiro álbum, mas o primeiro que conta apenas com sua viola de dez cordas, Freire demonstra a excelência de seu aprendizado, que se deu na mineira Urucuia, terra de mestres bambas na viola.
Seu trabalho é arrebatador. Logo de cara, “Pórva”, música que dá título ao CD (cujo significado deriva do substantivo “pólvora”), vem arritmo, com o violeiro dedilhando acordes de um bonito tema. Logo a levada chega. A viola sola a melodia tocando em terças. Acordes com as cordas presas, numa escala ascendente, realçam o ritmo. Improviso nas notas mais agudas, a mão direita bole as cordas, ralenta e leva ao fim.

“Ticotuco”, uma das mais belas do disco, começa com acordes dedilhados pelo violeiro. A melodia é linda. A pegada acelera a moda. Notas bem agudas soam pelos dedos ágeis. O ritmo acelera, a viola vibra, o violeiro chora pela harmonia bem cuidada do tema.

Outra moda, a mais bonita dentre as doze gravadas, é “Teiú do Jarau”. Uma levada arrasadora impera na introdução carregada de brasilidade. A melodia passeia pela harmonia que a conduz de forma épica. Um desenho em notas graves, quase um mantra, repercute, pleno de lamento e boniteza.

Pórva tem a sutileza de um causo contado em noite de lua, tem plenos requintes de um violeiro enamorado por sua viola de dez cordas. É um documento que identifica a cultura de uma nação.


Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4