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O direito às paixões: dos amores clandestinos à liberdade


Da escrava Agar, mãe de Ismael, o filho bastardo do patriarca judeu Abraão, até Camilla Parker-Bowles, hoje casada com o herdeiro do trono da Grã-Bretanha, as amantes fizeram mais do que viverem amores reprovados pela sociedade. Elas influenciaram – e muito – a vida de seus amados, entre eles, muitos políticos, desde a Antiguidade, mesmo nos ambientes mais machistas, como a Atenas de Péricles, cuja maior confidente era a companheira Aspásia. Elizabeth Abbott se detém sobre diferentes condições das amantes, elencando casos de amor sincero entre casais impedidos de conviver publicamente, ao lado dos que foram fomentados por interesses de ascensão social ou de pura sobrevivência para mulheres muito pobres.

A condenação social, ainda que velada quando o envolvido era um governante poderoso, quase sempre é o pano de fundo dos arranjos amorosos selecionados por Abbot. Os invasores das terras americanas tinham o hábito de se relacionar com mulheres nativas, que podiam ou não usufruir do prestígio do conquistador, como a poderosa Malinche, a amante de Hernan Cortez. Pocahontas casou-se com um colono inglês na Virgínia e morreu antes que o marido se cansasse dela, situação muito comum nas relações com indígenas norte-americanas e canadenses.

Na literatura européia, o sofrimento não redime as adúlteras Anna Karenina e Emma Bovary, punidas com mortes trágicas, mas Nathanael Hawthorne deu uma sobrevida digna a Hester Prynne, a protagonista de A letra escarlate, alvo do puritanismo na América. Musas de artistas, garotas de gangsters, socialites que fizeram da condição de amante um meio de vida, mulheres de padres, parceiras que contribuíram para a obra do companheiro, como Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, a tragédia poética de Abelardo e Heloísa, a paixão da prima-donna Maria Callas pelo milionário grego Aristóteles Onassis, que a preteriu para tomar Jacqueline Kennedy como esposa-troféu, o insaciável John Kennedy e Marilyn Monroe, as apaixonadas por Lord Byron, um serial lover talentoso e canalha, tudo é contado de maneira saborosa, equilibrando a curiosidade antropológica com uma boa dose de escândalo.

Casamentos pautados pelo amor e não pela conveniência social eram defendidos pelo polêmico pensador Thomas Paine, combativo divulgador dos ideais que fundamentaram o processo de independência norte-americano e a Revolução Francesa. Um belo estudo sobre sua principal obra é Os Direitos do Homem – Uma biografia (Zahar, R$ 10), do jornalista Christopher Hitchens. A influência de Paine pode ser medida pelas impressionantes vendas de seus livros. Quando morreu, em 1890, Os Direitos do Homem, publicado em 1792, já tinha mais de 1,5 milhão de cópias em língua inglesa.  Sua atualidade pode ser conferida nas críticas ferrenhas às formas de dominação e à defesa intransigente do pacifismo,  fruto, talvez, de sua observação da queda da monarquia na França, seguida pela implantação de um regime autoritário. Para refletirmos hoje, amanhã e sempre, ficam as palavras de Thomas Paine: Quem quer garantir sua própria liberdade, deve proteger até seu inimigo da opressão; pois, se violar esse dever, estabelecerá um precedente que vai atingir a ele mesmo.