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O eterno buscador


Quem lê o título do disco pode imaginar que Careqa se preparou para uma sátira ao consumismo e à proliferação dos chineses nas lojas brasileiras. Ou uma diatribe contra mais uma “invasão estrangeira em nosso país”.

Mas não, ou nem tanto, pois ele se rebelou contra possíveis chatices e foi muito mais longe. No que fez muito bem, pois a sua reconhecida ousadia criativa seria consideravelmente reduzida se o objetivo, digamos, “filosófico” do CD fosse levado ao pé da letra.

Mas o compositor e cantor Carlos é um eterno buscador de estranhezas poéticas. Assim, ouve-se suas músicas sem que se consiga enquadrá-las em nenhuma categoria da música popular, muito menos em nenhuma vertente política nem econômica de contestação panfletária – até poderia assim ser, nada contra, só que aí não seria Carlos Careqa.

A opção por um multi-instrumentista como Marcio Nigro já dava a pista de que o repertório buscaria uma vestimenta sonora roquenrrol, esta sim uma das inúmeras faces da música de Careqa. Por este aspecto, o disco tem um lado de rebeldia contestatória. Mas apenas por este lado. Pois de resto o que prevalece é a magia de que dispõe CC para se fazer compreender pelo inusitado, pela inovação, pelo sábio e inventivo uso das palavras.

A letra de “Made in China” (CC) diz: O Macintosh tem sangue chinês/ A cobertura do bolo holandês/ Não está mais ao gosto do freguês/ Minha vizinha senegalinha/ Comeu mais um frango xadrez.  A ironia ocupa os espaços, não deixando margem a nada que não tenha o bom humor como mote.

Cantada à capella, “Calma Alma” (CC) abre o CD. Careqa canta uma segunda voz e dá à melodia um belo ar místico.

“O Q Q Cê Tem na Cabeça” (CC e Marcelo Quintanilha) remete às composições de Siba, o violeiro cantador. No baião pop, a sanfona resfolega pelo teclado de Marcio Nigro. A potência do pulso de “Big” dá ao refrão uma carga de possante brasilidade.

As melodias de CC têm seu valor asseverado por canções como “Crise de Identidade”, quando o tiquetaque de um relógio eletrônico marca o passar do tempo. O violão toca sem floreios. A voz vem suave, afinada. Teclado e sampler criam sons graves.

“44 (quarenta e quatro)” (CC). A guitarra é pesada. A bateria de “Big” acrescenta força à pegada.

“Existir” (CC). Versos surpreendentes e bem escritos imprimem a cara do autor na canção. A criatividade adentra a expressão do arranjo, arranjos que complementam, à perfeição, os conceitos musicais de CC.

A música de Carlos Careqa segue profana, assim como seus versos e suas ideias. Assim ele vai, sem dogmas nem certezas absolutas... Apenas vai.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4