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O prezuízo


Meu pai entrou no banheiro, sem me olhar, mijou e fez a barba, depois saiu de lá novamente sem olhar para mim. Sentou para tomar café da manhã, sem me chamar, como sempre fazia. Eu não agüentava mais o peso do seu silêncio, quando ele resolveu abrir a boca ainda cheia de café com leite e cuscuz, para desabafar, entre enraivecido e queixoso:

– Vou ter que trabalhar o final de semana inteiro, fazer hora extra, para poder pagar a vidraça do seu Nestor que você destruiu, moleque.

Aí criei coragem e disse não precisa, quem vai pagar a vidraça sou eu.

Meu pai me olhou indiferente e incrédulo, como se olhasse para uma parede que fala, e tomei a dianteira antes que ele dissesse qualquer coisa:

– Deixe, pai. Vendo meu time de botão, vendo laranja descascada na porta de casa, e pago essa merda.

Meu pai arregalou os olhos e depois desamarrou a cara. Abriu um sorriso que até hoje lembro como o mais bonito que já vi na cara do meu pai. Só não sei se foi porque eu disse que pagava o prejuízo ou se foi por causa do essa merda.

Do livro "O homão e o menininho" (Editora Abacate), selecionado pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola 2013