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O samba é seu dom


O samba está para Delcio Carvalho como esteve para Clementina e está para Paulinho da Viola. A linha melódica do samba está para Delcio como está para Candeia e para Cartola. Os versos nos sambas de Delcio carregam a singeleza da poesia de Nelson Cavaquinho, também lembram o lirismo de Monarco e a ginga de Nelson Sargento, têm a malícia de Geraldo Pereira, a cadência de Noel e a delicadeza de Dona Ivone Lara.Sambista de real valor, Delcio Carvalho gravou sua obra-prima: Profissão Compositor. Nele estão sambas inspirados compostos em parcerias que vão de Dona Ivone Lara ("Nova Era" e "Palavra Amiga") a Mario Lago Filho e Lefê Almeida ("Vendedor de Ilusão"), Ivor Lancellotti ("Que Saudade É Essa"), Mario Lago Filho ("Sá Mariquinha" e "Arma da Paixão"), Sergio Fonseca ("Marés" e "Motim"), Agenor de Oliveira ("Dama da Noite"), Luizão Maia ("Reesperança"), Wilson das Neves ("Vou Sair Daqui"), João Ayres ("O Samba Que Eu Não Fiz") a Paulo César Feital ("Brasil Nas Veias").Quando escreve versos, Delcio lança mão de palavras que se encadeiam e revelam a tristeza que move o sambista; bem como traça o perfil de um tempo que insiste em se manter presente, a despeito de tudo parecer querer relegá-lo ao fundo do poço da desilusão. Quando compõe melodias, Delcio as faz quase sempre em tom menor e emociona com soluções harmônicas que ressaltam caminhos musicalmente virgens.A direção musical e os arranjos a cargo de Rogério Souza, apoiados pela competente produção artística de Agenor de Oliveira, buscaram um grupo de poucos músicos que se multiplicam na façanha de realçar ainda mais o repertório primoroso que compõe o CD de Delcio Carvalho. O que Celsinho Silva e Pretinho da Serrinha conseguem com seus instrumentos rítmicos é de arrepiar. Parecem tocar como se espelhassem um momento musical ímpar, que pede que os talentos floresçam a seu serviço. E de suas mãos floresce o som. E o samba se faz. E o samba desce pelo gogó do compositor que vive daquilo que cria.A Rogério Souza coube tocar violões de seis e sete cordas; a Wanderson Martins coube o cavaquinho; a Roberto Marques, o trombone;  a Eduardo Neves, a flauta; a Jorge Helder, o contrabaixo; a Wilson das Neves coube dividir a voz com Delcio e tocar bateria em sua música; a Arthur Maia coube tocar seu baixo na música de seu tio, o saudoso contrabaixista Luizão Maia, na qual também brilha o piano de Cláudio Andrade. E assim brota a música, o ofício que Delcio Carvalho escolheu para ser seu.Poucos compositores conseguem ser aquilo que ele, sem parecer despender muito esforço para tal, consegue com mestria. A música feita com Ivor Lancellotti é um dos mais belos sambas compostos nos últimos tempos. Desde "Religião" (com Zé Kéti), a primeira faixa do CD, cada música que se segue suscita um espanto maior, revela emoções mais poderosas. E a respiração dispara junto com o coração.Mas, quando parece que o samba já se revelou em sua plenitude, eis que Delcio começa a cantar "Palavra Amiga", dele e de Dona Ivone Lara. Meu Deus! Com voz doce e carregada de emoção, ele canta: "Com melancolia lembro daqueles dias/ Que nos embalavam de sonho e fantasia/ Daquela paixão nada mais existe/ Só um canto triste no meu coração." Resta aos corações solidários se ajuntarem àquele e chorar lágrimas comovidas que carregam alegria, sim, mas também arrastam a decepção pelo amor desfeito - não era para ele ser eterno? Mas no samba de Delcio Carvalho ele será sempre para sempre.Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4 e autor de O Gogó de Aquiles, ed. A Girafa. Seus textos são publicados semanalmente no Acontece na  no Diário do Comércio (ACSP), Meio Norte (Teresina), A Gazeta (Cuiabá), Jornal da Cidade (Poços de Caldas) e Brazilian Voice (EUA). No rádio, sempre às segundas-feiras, das 15h às 16h, "O Gogo de Aquiles" vai muito bem, obrigado. Você poderá escutá-lo (no Rio de Janeiro) sintonizando diretamente na Rádio Roquete Pinto, ou (fora do Rio) na internet: www.fm94.rj.gov.br .