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O som inventivo de Ramil e Suzano


Suzano é um músico que compõe melodias com sons tirados da percussão mais tradicional, ligada ao samba carioca. Sua genialidade consiste em impulsionar o toque na pele do pandeiro e dos tambores, misturando-os aos efeitos eletrônicos bem manuseados e harmonicamente compatíveis com o que há de mais contemporâneo. Os ruidos extraídos de uma moringa ou de qualquer coisa que emita som são a música que Suzano nos oferece desde sempre. Além deste talento, ele tem outro: perceber no convite para uma nova parceria um caminho que o elevará por estradas inovadoras da música brasileira. Assim, o carioca Marcos Suzano e seu Sambatown se juntam ao gaúcho Vitor Ramil e seu Satolep. Cada um na sua praia, mas com uma mesma barraca a protegê-los das intempéries da mesmice. Se Ramil carrega no peito a sua Pelotas, Suzano tem nas mãos o seu Rio – a música que vem daí é pura profusão de diversidades. Satolep Sambatown é a profundidade estética levada ao extremo. Com ele, a valer aquela regra citada acima, Vitor Ramil poderá decolar rumo ao mais do que merecido estrelato, enquanto Marcos Suzano talvez continue no estágio atual de pouco reconhecimento popular. Infelizmente.Sem medo da música, Vitor está sempre de mudança. Vai do norte para o sul como quem voa. Rebarba o torpor por amar o fogo. E é fogo o que ele atiça às músicas que cria. Faz letra para mexer com a melodia, que por sua vez bole com o orgulho da harmonia, para dela se fazer cúmplice. Satolep Sambatown é a amplitude máxima desta virtude.De milongas e sambas é feito o CD de Ramil e Suzano. Mas é no revirar pelo avesso o samba e a milonga que ele se mostra por inteiro. Satolep Sambatown tem 11 músicas, todas de Vitor Ramil, sendo que “12 Segundos de Oscuridad” tem letra do uruguaio Jorge Drexler (autor de “Al Outro Lado Del Río”, tema do filme Diários de Motocicleta e ganhador do Oscar de melhor canção) e “A Word Is Dead”, um poema da americana Emily Dickinson musicado por ele. As duas primeiras faixas, “Livro Aberto” e “Invento”, são amostragem da excelência do som inventivo de Suzano e Ramil. Este toca com maestria seu violão com cordas de aço, enquanto sua bela voz revela letras do mais puro senso rítmico e poético. Suzano transforma sua percussão em parceira da música composta por seu parceiro. Satolep Sambatown contém música para instigar. “Que Horas Não São?”, com harmonia e melodias meio árabes, tem ótima participação de Kátia B. “O Copo e a Tempestade” é um rap com letra impetuosa, recitada por Vitor, enquanto o pandeiro canta seu coro. “Café da Manhã”, linda música inspirada em poema Jacques Prévert, que também nos remete a “Cotidiano” de Chico Buarque, tem no Oriente a fonte de onde Vitor buscou a levada que engrandece a letra bem construída.E assim, reconfortada, longe do abandono que a desestimula, alumiada pelo mar ajuntado aos pampas e personificada pela modernidade da voz que entoa doces encantos e da palma da mão que bate nos tambores da imaginação, a música reage amorosamente. Deixa-se acariciar e se despe à frente dos que fazem dela uma rainha encantadora e mágica. Com brilhos e brilhantes, os intérpretes que a cortejam seduzem-na e também nos levam pela mão nesta viagem que junta idéias nascidas em cidades tão palpáveis quanto inimagináveis, posto que habitam nas entranhas dos que nelas passeiam. Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4, é produtor e apresentador do programa O Gogó de Aquiles, na Rádio Roquete Pinto FM do Rio de Janeiro, sempre às segundas-feiras.