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O som que vem da rua, da floresta...


Papete é o percussionista e Luis Lopes, o pianista. Em Era uma vez..., ambos, a partir do conhecimento de seus instrumentos, demonstram como devem tocar juntos. E o fazem com tal desenvoltura, tocam com tal competência, que os sentimentos musicais afloram como se brotassem do chão fértil de uma terra encantada.E é comovido diante de tanta beleza ouvida ao longo de quase uma hora, tempo de duração do CD, que começo a escrever sobre ele. Logo de início ouve-se uma levada rítmica afro-brasileira. Entra uma voz de criança. É Vitória, filha de Papete. Com a respeitabilidade que seus nove anos lhe confere, ela convida para ouvirmos a música com a qual Papete traduz o seu país. Brasil que Vitória conhece pelos olhos e pelas mãos de seu pai, que reinventou o berimbau e fez dele seu instrumento de fé, o que o levou a ser considerado um dos maiores percussionistas do mundo. Junto com Luis Lopes, Papete demonstra ter um entrosamento mágico. Piano e berimbau, uma dupla que a princípio pode soar como estranha, só que os efeitos extraídos de tantas e diversas alternativas sonoras beiram a perfeição. O CD é cheio dos mais diversos climas, todos criativos, inusitados. Quatro mãos ágeis; vinte dedos inquietos em busca do suingue do ritmo brasileiro. Dois corações a serviço da música instrumental brasileira. Dois cérebros a matutar o melhor jeito de fazer da música a plena expressão da personalidade de um povo que ama o toque de sua terra, posto que ele é a sua personalidade. Ao ouvir Era uma vez..., salta à vista que música é sempre mais do que tudo. Não importa o tamanho da pretensão, nem a intensidade da dor: música é sempre mais. Os arranjos do disco foram concebidos por Papete e Luis Lopes. Com eles, os dois não desperdiçam nenhum som; nada é despretensioso, tudo neles tem um papel musical a cumprir. E a ótima mixagem tudo revela, nada esconde.Para interpretar canções inéditas ou clássicos como "Na Baixa do Sapateiro", de Ari Barroso, "After Sunrise", de Oscar Castro Neves, ou "Ponta de Areia", de Milton Nascimento e Fernando Brandt, eles criaram módulos sonoros, dividiram a música original em células. Assim, vão tocando e se divertindo, criando brasilidades sonoras e reverenciando o original, enquanto inventam algo novíssimo a partir dele.Não há uma faixa no CD que não bula com o imaginário do ouvinte. Tudo quanto é som tirado por Papete reflete na alma, fala a ela o que ela entende e a põe para balançar. Luis Lopes opera o teclado, ora com efeitos, ora com sons próximos do experimentalismo, e vai às notas do piano com o mesmo ardor musical. Papete e Luis criaram belezas dignas da música.Por fim, dirijo-me a você, Vitória: era uma vez um país que tem uma das músicas mais ricas e diversificadas do mundo. Seus músicos nunca deixaram de reinventá-la, cada qual com seu gosto e talento. Graças a eles, que usam os pés, a boca, o corpo... Enfim, pelas mãos deles a música desse eterno país do futuro salta de suas fronteiras e ganha mundos distantes. Graças aos que tocam tamanha música - tão grande, imensa -, ela desenha o rosto de toda a gente que nasceu nesse país. E nesse país mora uma menininha que tem um pai que tem um amigo. Os dois são músicos, craques na arte de doar belezas. Dupla que dá à música aquilo que ela mais necessita para se fazer bela: vida! Dão-lhes a seiva que bem percebem os que os escutam em seu ofício de musicar. A música deles é da floresta, dos pássaros, das ruas... Eles fazem do dia-a-dia fonte de sons.A história está no começo, Vitória. Ela está em suas mãos e nas mãos de menininhas e menininhos assim da sua idade. Para vocês, seus pais tocam e cantam a música mais linda que conseguem criar. Seja feliz, Vitória!Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4 e autor de O Gogó de Aquiles, ed. A Girafa. Seus textos são publicados semanalmente no Acontece na  no Diário do Comércio (ACSP), Meio Norte (Teresina), A Gazeta (Cuiabá), Jornal da Cidade (Poços de Caldas) e Brazilian Voice (EUA). No rádio, sempre às segundas-feiras, das 15h às 16h, "O Gogo de Aquiles" vai muito bem, obrigado. Você poderá escutá-lo (no Rio de Janeiro) sintonizando diretamente na Rádio Roquete Pinto, ou (fora do Rio) na internet: www.fm94.rj.gov.br .