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O utilitarismo clássico e o adeus a Umberto Eco


Difícil resistir ao estilo apaixonado de Ordine. Sua mensagem é clara, alinhada ao pensamento do sociólogo polonês Zigmundt Bauman, que condena o sistema financeiro que fez dos cidadãos consumidores.  Lembrando Shylock em O mercador de Veneza, Nuccio Ordine afirma que bancos e credores “cobram impiedosamente a libra de carne viva de quem não pode saldar a dívida”. Empresas beneficiadas pela privatização dos lucros e a socialização das perdas despedem seus empregados, enquanto governos suprimem os postos de trabalho, a educação, a assistência social aos portadores de necessidades especiais e a saúde pública, diz Ordine. “A lógica do lucro solapa as bases das instituições (escolas, universidades, centros de pesquisa, laboratórios, museus, bibliotecas, arquivos) e disciplinas (humanísticas e científicas) cujo valor deveria coincidir com o saber em si, independentemente da capacidade de produzir ganhos imediatos ou benefícios comerciais. (...) O direito de ter direitos (...) se tornou, de fato, subordinado ao domínio de mercado, com o risco progressivo de se cancelar qualquer forma de respeito às pessoas”.

Depois da vigorosa introdução, esse professor de literatura italiana, especialista na obra de Giordano Bruno e uma celebridade no meio acadêmico internacional, defende apaixonadamente o estudo dos textos clássicos – incluindo a ficção do teatro grego e romances de Robert Stevenson, por exemplo - para a compreensão da vida atual. Simultaneamente, condena com veemência, o ensino ministrado na “universidade-empresa” a “estudantes-clientes”. A crítica é ao sistema que reduziu os níveis de dificuldade nos estudos, mais voltados para a técnica profissional do que para estimular o raciocínio, procurando seduzir os alunos com “a transformação das aulas num jogo interativo superficial, baseado em projeções em power point e na aplicação de questionários de múltipla escolha.”

Em textos curtos, Ordine convoca o leitor a refletir sobre trechos de autores desde a Antiguidade até o século XX, entre eles Cem Anos de Solidão (Record, R$ 69,90), de Gabriel Garcia Márquez.  Questiona ainda a lógica empresarial que bota em risco a existência de bibliotecas e a falência das livrarias, devido ao desinteresse pelos livros físicos, num momento em que a leitura virtual suplanta as páginas impressas. Ao invocar Victor Hugo, Descartes, Charles Dickens e Shakespeare, Nuccio Ordine não despreza a produção cultural recente, mas monta um verdadeiro curso para recuperar o sentido humanista dos clássicos. A citação ao conterrâneo Italo Calvino, autor de  Por que ler os clássicos (Companhia das Letras, R$ 29,90), é para corroborar a falta de sentido na perspectiva utilitarista: a leitura de clássicos parece contrariar nosso ritmo de vida, “que não conhece os tempos longos”, e deve acontecer “somente pelo prazer, pela satisfação de se viajar” com esses livros.

A partida do pensador Umberto Eco deixou desprotegidos os amantes de livros. Em seus últimos tempos, ele escreveu um romance ficcional  Numero Zero (Record, R$ 37,90) de crítica ao jornalismo e afirmou que a Internet havia dado voz a milhares de imbecis. Uma observação ranzinza ou muito perspicaz de quem amou a comunicação e considerava a leitura “uma necessidade biológica da espécie”? O tempo dará a resposta.

Ciao, Umberto!